Operando com o espírito – Por Gilberto Schoereder
Dos
xamãs e feiticeiros dos primórdios da humanidade, ao brasileiro “José Arigó”, as curas e operações
espirituais continuam sendo um dos assuntos mais discutidos do Espiritismo e da
parapsicologia, ainda que nem sempre tão investigado quanto deveria.
O local
pode ser uma casa simples ou um grande galpão. À porta, formam-se filas imensas
de pessoas que já tentaram de tudo para se curar, mas sem êxito. Movidas basicamente
pela fé, quando não pelo desespero, elas vão atrás da solução oferecida pela
atuação dos espíritos, que se manifestam através de um médium.
No
interior do local de cura, o médium se desloca de uma maca a outra, fazendo incisões
com facas de cozinha, tesouras ou com as próprias mãos, sem qualquer tipo de
assepsia. Nenhuma anestesia é usada, mas as pessoas não sentem dor e, muitas
vezes, sequer percebem que o médium as está operando.
As
imagens, já mostradas em larga escala nas revistas, jornais e canais de
televisão, são impressionantes. Os corpos são abertos com um mínimo de
sangramento, tumores são extirpados e problemas que a medicina julgava
insolúveis acabam sanados em questão de minutos. Até poucos anos atrás, essas operações
eram comuns no Brasil e deram origem a algumas das maiores controvérsias
envolvendo a atuação de espíritos em nosso planeta.
Com
raras exceções, a medicina não aceita a explicação de que os espíritos são
responsáveis pelos prodígios e geralmente atribui a eliminação da dor ao
chamado "efeito placebo", que consiste na administração de pílulas sem
qualquer efeito medicinal, mas que o paciente acredita serem extremamente
eficazes, uma auto-sugestão, com resultados positivos comprovados
estatisticamente. Nesse caso, a fé na cura seria o ingrediente que atua como
curador, segundo a ciência.
No
entanto, já
foram registrados casos de pessoas operadas e curadas com sucesso mesmo não
acreditando na atuação dos espíritos. Apesar da descrença da ciência, existem
inúmeros cientistas de várias partes do mundo que se dedicaram ao estudo das
curas mediúnicas, tanto no Brasil quanto em outros países, especialmente nas
Filipinas, onde o fenômeno parece ser tão comum quanto aqui.
Alguns
pesquisadores entenderam que o que estava ocorrendo não era apenas um produto
da fé das pessoas, mas que algum tipo de ocorrência paranormal, ou espiritual,
estava de fato em curso. É verdade que a idéia de que os espíritos estejam
atuando através de médiuns perdeu um pouco de sua credibilidade depois que vários médiuns foram
acusados de estarem fraudando as operações e ganhando dinheiro com a esperança de
cura dos pacientes.
Para
muitos espíritas, no entanto, aqueles que sempre se colocaram contra a noção de
que os espíritos podem interferir em nosso mundo, fazem de tudo para desacreditar
esse tipo de acontecimento; independentemente das fraudes, que certamente existem, os
casos comprovados seriam numerosos.
O que
parece mais certo é que falta um acompanhamento científico mais detalhado e isento
sobre as operações e curas espirituais. Cientistas americanos que estiveram no Brasil,
por exemplo, chegaram a demonstrar interesse em estudar os pacientes
supostamente curados, fazendo um levantamento de quantos teriam sofrido uma
recaída da doença, e quantos teriam realmente se curado. Não se tem notícia de
que essa pesquisa tenha sido realizada.
É
difícil saber ao certo a quantidade de médiuns, verdadeiros ou falsos, que
continuam realizando curas e operações em todo o Brasil. Sabe-se de alguns que
recebem pessoas em suas próprias residências, sem cobrar coisa alguma e sem
fazer propaganda de suas atividades; e aqueles que têm intenção de fraudar estão
bem mais cuidadosos.
É mais
comum se ouvir falar de curas espirituais realizadas sem o auxílio de instrumentos e sem
cortes. A
energização é uma das palavras mais utilizadas, e inúmeras técnicas têm sido
apresentadas como capazes de curar males físicos, ainda que poucas vezes
estejam associadas à atuação dos espíritos. Vários estudiosos do assunto
entendem que esse tipo de cura é muito mais antigo do que o Espiritismo, remontando às mais
antigas tribos humanas.
As curas
realizadas pelos
xamãs e feiticeiros seguiam num rumo semelhante; eles atuavam na Terra em nome
ou com a permissão dos espíritos ancestrais, sendo responsáveis pela cura de todo tipo de
problemas dos habitantes de suas comunidades, inclusive com a aplicação de
noções rudimentares de psicologia.
Muitos
espíritas afirmam que a questão já foi devidamente tratada por Allan Kardec em
vários textos. No capítulo XIV do livro “A Gênese”, por exemplo, ele se refere à ação
dos fluidos sobre a matéria, e ao pensamento lógico de que esse
conhecimento espírita deveria ser aplicado para ajudar o corpo físico dos seres
humanos, ou seja, na cura de doenças.
A idéia
geral é que os espíritos têm a capacidade de manipular os chamados fluidos,
que podem ser entendidos como energias existentes tanto neles quanto nos seres
encarnados,
nos quais passa a ser chamado de “fluido vital, fluido magnético ou ectoplasma”.
As
doenças são vistas, então, como um problema no “perispírito”, com repercussão
no “corpo físico” e, através da transmissão de fluidos do espírito para o perispírito
dos encarnados, ocorreria a cura do corpo. O fato de que essas curas acontecem por meio
dos médiuns é explicado: eles são as pessoas mais preparadas para realizar o contato entre
nossa dimensão e a outra.
A
vontade torna-se elemento fundamental no processo, pois é através dela que o desencarnado
pode agir sobre a matéria. E a cura ainda envolveria a “qualidade do fluido”,
que está diretamente ligada ao padrão moral e orgânico do doador. Assim também se
explica por que nem todas as pessoas podem efetuar curas.
No Brasil,
o caso que mais chamou a atenção foi, sem dúvida, o de “Zé Arigó” (1921–1971), médium que
realizava operações inacreditáveis sob a direção de um espírito. Segundo ele,
tratava-se de um médico alemão falecido na Primeira Guerra Mundial, a quem
chamou de Adolf Fritz.
Apesar
de, segundo as informações, ele ter realizado uma série de curas com sucesso,
os céticos jamais aceitaram a situação, alegando que Fritz não é um sobrenome alemão
e que as pesquisas realizadas nos arquivos da época foram infrutíferas: o suposto médico não
existe nos registros da Alemanha, mesmo quando foi dito que seu nome verdadeiro
era “Adolph Yeperssoven”.
Outros
já disseram que o nome que ele forneceu era de pouca importância, uma espécie de
disfarce utilizado pelo espírito do médico, assim como o sotaque alemão que
Arigó e
outros depois dele apresentavam quando o doutor assumia o comando das
operações. O início das atividades do médium segue um padrão mais ou menos
comum nos paranormais de vários países.
A partir
de 1950, ele começou a sentir dores de cabeça fortíssimas, insônia e a ter
visões que o perturbavam bastante, além de ouvir uma voz que se repetia
constantemente. Para a medicina, tais sinais são distúrbios que precisam ser
tratados, talvez pela neurologia, mas, no mundo dos fenômenos espíritas, são
encarados como indícios de atividade parapsíquica, de um contato que se inicia.
Foi o
que aconteceu quando o suposto espírito que lhe falava tomou seu corpo e ele
pôde ver a figura de um homem de avental branco supervisionando um grupo de
médicos numa sala de cirurgia. Começava assim a convivência de Arigó com o Dr. Fritz
que, segundo disse, escolhera o médium para realizar curas na Terra, guiando suas mãos nas
atividades mais complexas.
O
sucesso de Arigó levou milhares de pessoas a visitá-lo em Congonhas do Campo,
Minas Gerais, em busca de auxílio. A notoriedade lhe rendeu, igualmente, um
processo por curandeirismo movido pela Associação Médica de Minas Gerais, tendo
sido condenado a quinze meses de prisão, mas recebendo o indulto do então presidente
Juscelino Kubitschek. Foi preso novamente em 1962, mas continuou atuando dentro
do presídio.
Ainda
que, como já foi dito, poucas pesquisas tenham sido realizadas com o
pós-operatório dos pacientes, vários pesquisadores, cientistas ou não, puderam confirmar que
cerca de 95% dos diagnósticos fornecidos por Arigó estavam corretos.
Após a
morte de Zé Arigó, num acidente automobilístico, o Dr. Fritz voltaria a se
apresentar e realizar mais curas. O escolhido foi o médico “Edson Queiroz”
que, ao contrário de Arigó, afirmava receber a visita de espíritos desde
criança, ele
brincava com pessoas que ninguém mais conseguia enxergar, apesar de seus pais
ouvirem vozes desconhecidas pela casa.
Aos dez
anos, Queiroz começou a ver seres que se diziam índios ou caboclos. Segundo
o médium, ele
só ingressou na faculdade de medicina porque recebeu uma mensagem do plano
espiritual mandando que fizesse isso, no momento em que se preparava para cursar
engenharia. Diziam que ele tinha uma missão a cumprir, o que de fato aconteceu.
Segundo
alguns, tratava-se de mais uma fraude, aproveitando o sucesso da presença do Dr.
Fritz; para outros, era o mesmo fenômeno se repetindo, e as operações eram
tão bem-sucedidas e procuradas quanto as de Arigó. Edson Queiroz também
chegou a ser processado e acusado de fraude. Ele faleceu em 1991.
Mais
recentemente, o Dr. Fritz voltou a ser o centro das atenções quando o engenheiro eletrônico
“Rubens de Faria” ganhou notoriedade por realizar o mesmo tipo de operações,
dizendo estar em contato com o médico alemão, e falando com o mesmo sotaque.
Curiosamente, o médium “José Penuz”, do Paraná, também disse operar em nome do Dr.
Fritz; ele estaria em contato com seu espírito desde a morte de Queiroz, e o
próprio Dr. Fritz lhe teria dito que Rubens de Faria nunca foi utilizado por
ele nas operações que realiza.
Rubens
de Faria chegou
a ser preso e processado, acusado de tomar dinheiro das pessoas que o
procuravam.
Ele atuava principalmente em
São Paulo e Rio de Janeiro e, após um período afastado da
mídia, voltou às atividades. A briga entre os dois representantes do Dr. Fritz
deixou ainda mais suspeitas de fraude no ar, tornando quase impossível qualquer
tipo de investigação científica do fenômeno, se é que ele está ocorrendo de
fato.
Diz-se
que Faria realizou uma cirurgia na coluna do ex-presidente Figueiredo e que foi
procurado por Leandro, da dupla Leandro e Leonardo. Alguns também afirmaram que
o ator Christopher Reeve procurou a intervenção do médium.
Fraude
ou não, o fato é que o fenômeno das operações espirituais ocorre em todo o
planeta, com maior ou menor intensidade e divulgação. O caso do Dr. Fritz já
foi muito comentado como sendo provavelmente o único de um espírito que se
manifesta em diferentes médiuns.
O Brasil
também costuma ser visto como um campo fértil para o surgimento de curadores,
alguns com menor notoriedade que Arigó, como Ivan Trilha e outros menos
cotados, mas que também contam com um esperançoso grupo de seguidores.
Os
curadores das Filipinas também já fizeram sua história de operações tidas como
milagrosas, que chegaram a ser gravadas em vídeo e apresentadas num congresso
de parapsicologia. Nos Estados Unidos, que possui um campo mais aberto para
atividades da chamada “Nova Era e curas espirituais”, também surgem
operadores espirituais de renome, como Harry Edwards, falecido em 1976, e que deixou montada
uma organização razoável, ainda em atividade.
O que se
comprova em todos esses casos, sem sombra de dúvida, é que está em curso um
tipo de fenômeno ligado aos estudos da parapsicologia. Com ou sem êxito nas
operações metafísicas, o fato é que os curadores conseguem realizar suas
atividades sem causar dor nos pacientes, o que por si só já é algo a ser
estudado com cuidado. Da mesma forma, o fato das operações serem realizadas sem qualquer
tipo de assepsia e não apresentarem conseqüências, como infecções, já é, por si
só, um fenômeno.
Apesar
dos pesares, hoje em dia, grande número de pesquisadores na área médica já presta
atenção aos fenômenos paranormais, tentando incorporar os conhecimentos daí
obtidos a técnicas já consagradas da medicina. Se dessas investigações forem
descobertos métodos eficazes de realizar operações sem o uso de anestésicos, já
será um imenso sucesso.
A maior
dificuldade talvez seja incorporar aos estudos científicos a noção da
intervenção dos espíritos, que ainda encontra uma resistência imensa.
Médiuns
de várias partes do mundo e diferentes épocas parecem ter muito em comum quando
se trata de incorporar espíritos e se preparar para uma operação. É verdade que alguns
entram em transe e, após a operação, pouco ou nada sabem do que aconteceu,
enquanto outros mantêm uma semi-consciência. Uns afirmam que podem ver o espírito antes que
ele tome conta de seu corpo, enquanto outros apenas têm a sensação de perder a
consciência.
Um
aspecto sempre comentado é que os médiuns que realmente estão querendo servir ao próximo
não cobram coisa alguma pelas consultas, daí serem habituais as acusações de fraude
sempre que existe algum tipo de pagamento.
Também é
comum os espíritos dizerem que assepsia e anestesia são desnecessárias, e até mesmo que os
instrumentos utilizados servem mais para conforto do paciente, que precisa
sentir que "alguma coisa" está sendo feita: na verdade, o médium
poderia operar apenas com as próprias mãos, o que às vezes de fato ocorre.
O
próprio Dr. Fritz dizia, quando manifestado, que a cura deve ser realizada no “corpo
espiritual”, uma vez que o “corpo físico” é apenas um reflexo daquele,
tornando os instrumentos desnecessários.