Como assim? O Espiritismo é cristão? Mas os senhores então
acreditam em criação do Mundo em seis dias há seis mil anos? Crêem em três Deuses fazendo o
papel de Um? Crêem na infalibilidade da Bíblia? Crêem que estão salvos pelo
sangue do Nosso Senhor Jesus Cristo derramado na cruz, para remir nossos pecados?
Não?
Então como pode o Espiritismo ser cristão? Todo cristão tem por obrigação crer
naquelas coisas, pois senão, não podem fazer uso do qualificativo de cristão.
Responderemos às questões propostas pelo articulista, sem a necessidade de
demonstrar que se ele realmente pensa desta maneira nada entende de
Espiritismo, talvez seja mais um dos que ouviram dizer que o Espiritismo é isso
ou aquilo, da boca de outro que ouviu dizer, que por sua vez, também ouviu de
outro, e assim sucessivamente.
Ao que nós sabemos ainda não existe nenhuma instituição encarregada
de distribuir “carteirinha de cristão” a quem quer que seja. O que afirmamos é que:
“é
cristão todo aquele que se diz ser”. Nada mais que isso. Mas, isso não implica
necessariamente termos que pensar de maneira igual, pois cada um de nós é uma
individualidade distinta que possui grau de evolução diferente dos demais.
Entretanto, iremos recorrer ao Evangelho para tirarmos a prova.
Primeiramente citaremos o próprio Jesus que diz: “Porque, onde estão dois ou três
reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mateus 18,20). Veja que a
única condição para Ele estar junto com alguém é que esteja reunido em Seu
nome. Fora disso, só se alguém estiver querendo ser maior que Jesus.
Agora podemos citar Paulo que em sua carta aos coríntios
fala: “julgais
as coisas só pelas aparências. Se alguém tem a certeza de pertencer a Cristo,
considere que nós somos de Cristo como ele”. (2 Coríntios 10, 7).
Também fazemos uma diferença entre ser cristão e seguir ao Cristo.
Os que atualmente se dizem cristãos nada mais são que pessoas que poderíamos dizer
judeu-cristãos, já que para eles a fonte de suas verdades se apóia na Bíblia. Seguir ao Cristo para nós
seria esforçarmos para colocar seus ensinamentos, contidos no Novo Testamento,
em prática no nosso dia-a-dia.
Não vemos Jesus em momento algum criticando a religião de
ninguém,
nem o vemos tentando, a qualquer custo, converter alguém a seguí-Lo ou mesmo
insistindo que somente quem o segue irá para os céus. A única coisa que disse
foi: “Eu
sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”, (João 14, 6),
entretanto isto significa que sem praticar seus ensinamentos não há como chegar
ao Pai.
A bem da verdade não podemos dizer que os ensinamentos são propriamente
de Jesus, já que disse: “portanto, o que falo é justamente aquilo que o Pai me mandou” (João 12, 50), ou
seja, estava transmitindo-nos as orientações de Deus.
E para os menos avisados, Kardec estudando a moral do Cristo publicou
o Livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, onde analisa sob a ótica da
Doutrina Espírita os ensinamentos de Jesus, entre os quais citamos o Sermão da Montanha. E
para ressaltar a importância dele, vejamos os dados abaixo:
1 – No Evangelho segundo o Espiritismo existem 28 capítulos, dos
quais 18 contêm passagens dele, corresponde, portanto, a 64% dos capítulos; 2 –
Em Mateus ele está inserido nos capítulos 5, 6 e 7, num total de 111
versículos, destes 92 foram estudados por Kardec, ou seja, 83% dos versículos;
3 – Em Mateus existem 28 capítulos, esse episódio está narrado em 3, o que
equivale a 11% dos capítulos.
Assim, no aspecto religioso o Espiritismo abraça, sem dúvida alguma, os
ensinamentos de Cristo, não os daqueles que se julgam donos da verdade. A nossa máxima é “FORA
DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO”, que cumprida significa: “amar ao próximo como a
nós mesmos”, mandamento básico da mensagem de Deus vinda aos homens por
intermédio de Jesus.
Mas os senhores então acreditam em criação do Mundo em seis dias há
seis mil anos? E nem poderíamos acreditar num absurdo desse. Vejamos o que a
ciência afirma sobre a idade do Planeta Terra: A datação radiométrica permitiu aos
cientistas calcular a idade da Terra em 4 bilhões 650 milhões de anos. Assim,
não há como contrariar a Ciência por causa da Bíblia.
Uma coisa que normalmente os bibliólatras não conseguem enxergar é
que tudo
o que a ciência vier a descobrir ou desvendar estará certamente descobrindo ou
desvendando Leis Naturais, cuja origem é Deus, assim, via de conseqüência, são
inegavelmente Leis Divinas.
É bom lembrar que, não muito tempo atrás, os que se apegavam à Bíblia
quiseram contestar a tese de Galileu, que afirmava não ser a Terra o centro do
Universo,
quase o queimaram por isso mas, hoje em dia, nem se discute mais que ele estava
coberto de razão.
Mas, para os que acreditam que a criação do Mundo se deu em seis
dias, perguntamos: considerando que somente após criar o Sol é que podemos
racionalmente dizer em dia (e noite) como estabelecer esse período de tempo para
as coisas que foram criadas anteriores à criação dele?
Alguém poderá dizer que Deus ao criar a luz no primeiro dia fez uma
separação entre a luz e as trevas, e que à luz chamou de dia, e às trevas de
noite. Ótimo! Mas, então como explicar que se fale em dia e noite sem que se tenha ainda
criado o Sol, uma vez que somente este astro é que nos dá o ciclo dia e noite?
Crêem em três
Deuses fazendo o papel de Um? Se fosse ensino de Jesus creríamos.
Entretanto, não O vemos em momento algum dizer que Ele era o próprio Deus. Ao contrário, inúmeras
vezes se dizia filho do homem (Mateus 30 vezes, Marcos 13, Lucas 26 e João 11)
e, pouquíssimas vezes filho de Deus (João 3 vezes).
Ser filho de Deus, não quer dizer que era Deus, existe uma
diferença inconfundível nisso. Desculpe-nos, falamos inconfundível somente para pessoas
de mente aberta, não para alguns fanáticos. Mas, para que não paire dúvida
alguma, faremos
uma pesquisa no Novo Testamento, para resolvermos esta questão. Vejamos estas
passagens:
Marcos (12,29,32) “o SENHOR nosso Deus é o único Senhor. E o
escriba lhe disse: Muito bem, Mestre, e com verdade disseste que há um só
Deus, e que não há outro além dele”; Romanos (3,30): “Visto
que Deus é um só”; 1 Coríntios (8,4 e 6) “o ídolo nada é no mundo,
e que não há outro Deus, senão um só. Todavia para nós há um só Deus,
o Pai, de quem é tudo”, Gálatas (3,20) “Ora, o medianeiro não o é de um só, mas
Deus é um”; Efésios (4,5-6) “Um só SENHOR, uma só fé, um só
batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos
e em todos vós”; e, 1 Timóteo (2,5) “Porque há um só Deus, e um só
Mediador”.
Por outro lado, os discípulos nunca tiveram Jesus como um Deus, sempre
diziam que era apenas um homem, vejamos: Atos (2,22) “Homens israelitas, escutai
estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós
com maravilhas, prodígios e sinais”; Romanos (5,15) “muito mais a graça de
Deus, e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou
sobre muitos”; e, 1 Timóteo (2,5) “e um só Mediador entre Deus e os
homens, Jesus Cristo homem”.
Ele sempre Se colocou como enviado de Deus, nunca como o próprio
Deus. Além de
que, as profecias sobre Ele sempre diziam da vinda de um Messias (Mensageiro)
não que o próprio Deus iria vir. Se aceitarmos Jesus como sendo Deus ficaremos
diante de algo inexplicável, vejamos:
Deus (Jesus) encarna na Terra, se imola na cruz em oferta a Deus (Ele
mesmo) para tirar os nossos pecados, pode uma coisa dessa? Também, quando ele morre
na cruz, ele diz: Pai (=Deus, ou seja, ele mesmo), em tuas mãos entrego
meu espírito, como explicar Ele entregando Seu espírito a Ele mesmo?
Mas se alguém quiser saber o porquê do dogma da Trindade, imposta aos
Católicos e aceita pelos Protestantes, é só pesquisar a cultura de todos os
povos que dominaram o povo hebreu e encontrará a explicação. Não fizeram nada mais
que copiar o que destes povos tinham a respeito de suas divindades, que eram
sempre compostas de três pessoas.
E o Catolicismo em meio de várias religiões não possuía mais que um
Deus, assim, para se igualar às correntes religiosas, diga-se de passagem todas
ditas pagãs, resolveram juntar aos seus dogmas mais este.
Crêem na infalibilidade da Bíblia? Os católicos acreditam na
infalibilidade do Papa, os protestantes na infalibilidade da Bíblia e nós, os
Espíritas, preferimos aceitar e acreditar somente na INFALIBILIDADE DE DEUS. E é por isso que não
podemos, por razões de lógica, aceitar que Deus sendo infalível possa produzir
algo assim:
Em Êxodo (20,5) “Castigo a culpa dos pais nos filhos até à terceira
e quarta geração”, enquanto que em Deuteronômio (24,16) “Os pais não serão
mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais: cada um será
morto por seu próprio pecado, afinal castiga os filhos pelo erro dos pais ou
não? Em Êxodo (21,12) “Quem ferir mortalmente um homem, será punido de morte,
em Êxodo (21,15) “Quem ferir o pai ou a mãe, será punido de morte, isso entre
outras tantas cujo desfecho é a morte, ao passo que em Êxodo (20,13) “Não matarás,
ficamos na dúvida é para matar ou não?”.
Teríamos muito mais coisas para colocar, mas para que este texto
não se alongue demais, fiquemos por aqui. E sobre esse assunto estaremos
publicando, em breve, o livro “A Bíblia à Moda da Casa”, onde mostraremos verdades
sobre a Bíblia para os que possuem capacidade de ver e ouvidos de ouvir.
Crêem que estão salvos pelo sangue do Nosso Senhor Jesus Cristo
derramado na cruz, para remir nossos pecados? Não podemos crer nisso, pois
preferimos ficar com Jesus, quando Ele diz: “Porque o Filho do homem há de vir na glória
de seu Pai, com os seus anjos, e retribuirá a cada um conforme suas obras” (Mateus 16, 27).
Se a retribuição é conforme as nossas obras e Ele nunca falou em sangue, ficamos com as obras,
quem quiser que fique com o sangue.
Ao estudarmos o Novo Testamento, percebemos que no princípio essa idéia de sangue
resgatar os pecados foi introduzida somente para que o cristianismo nascente se
propagasse sem grandes dificuldades de aceitação. É o que os apóstolos
fizeram, talvez também fruto das Leis Mosaicas, já que é nelas que o sangue dos
touros resgata os pecados, pelo sacrifício de expiação.
Por outro lado, se o sangue de Cristo derramado na cruz, remiu
nossos pecados, comamos e bebamos, como diz Paulo, já que estamos todos remidos. Só que os sacrifícios
de expiação daquela época eram para resgatar os pecados já cometidos, e assim
sendo, necessitaremos
de um outro Cristo para pagar os pecados da humanidade após sua morte na cruz, não há outra
alternativa se nos baseamos na lógica e no bom senso.
Então como pode o Espiritismo ser cristão? Se tivéssemos outro nome
para nos designar talvez fosse bem melhor, pois se ser cristão e ter que aceitar os
maiores absurdos só porque constam da Bíblia, é melhor não o sermos. Se ser cristão é não
acreditar nos avanços da ciência, preferimos não ser. Se ser cristão é ficar
preocupados com os que os outros pensam para os atacar, é preferível não o ser.
Enfim, para não sermos confundidos com os que se dizem cristão e não
seguem a Cristo, até mesmo suplicamos por outro nome para identificar a nós que nos
esforçamos para seguir plenamente Seus ensinamentos. E diante de tantos
absurdos que fizeram e ainda fazem os que se dizem cristãos, preferimos somente
ser chamados de Espíritas.
Todo cristão tem por obrigação crer naquelas coisas, pois senão,
não podem fazer uso do qualificativo de cristão. Agora sim é que não quero ser
designado cristão mesmo, pois jamais abrirei mão do direito de pensar por mim mesmo.
Não podemos ficar sujeitos às interpretações e dogmas impostos por
qualquer pessoa. E nisso o Espiritismo é ímpar entre as religiões, pois, muito ao
contrário, diz justamente que devemos criticar tudo, não aceitar nada sem uma análise
feita utilizando a razão e a lógica, e que podemos questionar tudo, mas tudo
mesmo, porque INFALÍVEL SÓ DEUS.
Mas, com razão está Huberto Rohden, quando diz: “Há quem afirme que
o cristianismo possa salvar o mundo, enganam-se! Há quase dois mil anos o cristianismo
tem cometido os maiores crimes de que há memória nos anais do gênero humano, incluindo cruzadas,
inquisições, guerras de extermínio, infernos de ódio, rios de sangue e de
lágrimas, e ninguém dirá que isso seja salvação”.
“É tempo, senhores teólogos dogmáticos, de enterrarmos os nossos
ídolos, tidos e havidos por sagrados, e voltarmos a um conceito mais puro e mais
espiritual do cristianismo. Cristão genuíno é todo aquele homem que possui o
espírito de Cristo e vive segundo esse espírito. O espírito de Cristo, porém, é o de um
amor ao próximo universal, nascido dum profundíssimo amor a Deus”.
E, para finalizar, fazemos nossas as seguintes palavras aos que
pensam assim: “Eles não compreendem nem o que dizem, nem as questões que
defendem, apesar de se apresentarem como doutores da lei” (1 Timóteo 1,
7).
“Porque, onde há ciúme e espírito de discórdia, aí reina desordem e
toda espécie de maldade” (Tiago
3, 16). “Esta é a vontade de Deus: fazer calar, pela prática do bem, a
ignorância dos homens insensatos” (1 Pedro 2, 15). “Será que me tornei
vosso inimigo por dizer-vos a verdade?” (Gálatas 4, 16).
Texto de Paulo
da Silva Neto Sobrinho, publicado No Jornal Espírita, nº 317,
de janeiro de 2002, especificamente na coluna “Qual é a Dúvida”, de responsabilidade
de Carlos de Brito Imbassay.