O Magnetismo e o Espiritismo
Revista Espírita - 03/1858 - Allan Kardec
Quando
apareceram os primeiros fenômenos espíritas algumas pessoas pensaram que essa descoberta
(se é que se pode aplicar-lhe esse nome) iria dar um golpe fatal no Magnetismo, e que
ocorreria com ele como com as invenções, das quais as mais aperfeiçoadas fazem esquecer
a precedente.
Esse
erro não tardou em se dissipar, e, prontamente, se reconheceu o parentesco
próximo dessas duas ciências. Todas as duas, com efeito, baseadas sobre a existência e
a manifestação da alma, longe de se combaterem, podem e devem se prestar um mútuo apoio:
elas se completam e se explicam uma pela outra.
Seus
adeptos respectivos, todavia, diferem em alguns pontos: certos magnetistas (O magnetizador é
aquele que pratica o magnetismo; magnetista se diz de alguém que lhe adote os princípios.
Pode-se ser magnetista sem ser magnetizador; mas não se pode ser magnetizador
sem ser magnetista) não admitem, ainda, a existência, ou pelo menos a manifestação dos
Espíritos: crêem poder tudo explicar pela única ação do fluido magnético,
opinião que nos limitamos a constatar, reservando-nos discuti-la mais tarde.
Nós
mesmos a partilhamos no princípio; mas, como tantos outros, devemos nos render
à evidência dos fatos. Os adeptos do Espiritismo, ao contrário, são todos partidários
do magnetismo; todos admitem a sua ação e reconhecem nos fenômenos sonambúlicos
uma manifestação da alma. Essa oposição, de resto, se enfraquece dia a dia, e é fácil prever
que não está longe o tempo em que toda distinção terá cessado.
Essa
diferença de opinião não tem nada que deva surpreender. No início de uma
ciência, ainda tão nova, é muito simples que cada um, encarando a coisa sob o
seu ponto de vista, dela se tenha formado uma idéia diferente. As ciências, as mais positivas,
tiveram, e têm ainda, suas seitas que sustentam com ardor teorias contrárias;
os sábios ergueram escolas contra escolas, bandeiras contra bandeiras, e, muito
freqüentemente, pela sua dignidade, sua polêmica, torna-se irritante e
agressiva pelo amor-próprio melindrado, e desviada dos limites de uma sábia
discussão.
Esperemos
que os sectários do Magnetismo e do Espiritismo, melhor inspirados, não dêem ao
mundo o escândalo de discussões muito pouco edificantes, e sempre fatais para
a propagação da verdade, de qualquer lado que esteja. Pode-se ter sua opinião, sustentá-la,
discuti-la; mas o meio de se esclarecer não é o de se dilacerar, procedimento pouco
digno de homens sérios, e que se torna ignóbil se o interesse pessoal está em
jogo.
O
Magnetismo preparou os caminhos do Espiritismo, e os rápidos progressos dessa
última doutrina são, incontestavelmente,
devidos à vulgarização das idéias da primeira. Dos fenômenos magnéticos, do
sonambulismo e do êxtase, às manifestações espíritas, não há senão um passo; sua
conexão é tal que é, por assim dizer, impossível falar de um sem falar do
outro. Se
devêssemos ficar fora da ciência magnética, nosso quadro estaria incompleto, e se
poderia nos comparar a um professor de física que se abstivesse de falar da
luz.
Todavia,
como o
Magnetismo já tem entre nós órgãos especiais, justamente autorizados,
tornar-se-ia supérfluo cair sobre um assunto tratado com a superioridade do
talento e da experiência; dele não falaremos, pois, senão acessoriamente, mas
suficientemente para mostrar as relações íntimas das duas ciências que, na
realidade, não fazem senão uma.
Devíamos,
aos nossos leitores, essa profissão de fé, que terminamos rendendo uma justa homenagem
aos homens de convicção que, afrontando o ridículo, os sarcasmos e os dissabores, estão
corajosamente devotados à defesa de uma causa toda humanitária.
Qualquer
que seja a opinião dos contemporâneos sobre a sua conta pessoal, opinião que é sempre,
mais ou menos, o reflexo de paixões vivas, a posteridade lhes fará justiça; colocará o nome do
barão Du Potet, diretor do Jornal do Magnetismo, do senhor Millet, diretor da
União Magnética, ao lado dos seus ilustres predecessores, o marquês de Puységur
e o sábio Deleuze. Graças aos seus esforços perseverantes, o Magnetismo,
tornado popular, colocou um pé na ciência oficial, onde dele já se fala, em voz
baixa.
Essa palavra passou para a linguagem usual; ela não espanta mais, e quando
alguém se diz magnetizador, não lhe riem mais ao nariz.