Se alguém me Servir, meu Pai o Honrará

“Em verdade, em verdade vos digo: se um grão de trigo que cai na terra não morrer, ficará só; mas, se ele morrer, produzirá muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem aborrece a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna.

Se alguém me quiser servir, siga-me, e onde eu estiver, ali estará também o meu servo. Se alguém me servir, meu Pai o honrará”. (João, 12:24-26.)

Há que se distinguirem no homem duas coisas bem diferentes: a “individualidade e a personalidade”. Individualidade é a centelha emanada de Deus, cujo destino é evoluir do átomo ao infinito e a Personalidade é o conjunto de elementos psicossomáticos que caracterizam a pessoa, ou cada uma das encarnações da centelha espiritual.

A individualidade permanece para todo o sempre, é imortal; a personalidade dura apenas a existência corpórea, do nascimento à morte. A personalidade é, por assim dizer, apenas um capítulo da história do ser; a individualidade é a obra em elaboração, à qual se vão acrescentando sempre novos capítulos.

Em cada permanência na Terra, cumpre-nos adquirir as experiências que ela pode ensejar ao desenvolvimento de nosso Espírito, preparando-nos pouco a pouco para a escalada a planos a vez mais altos.

Lamentavelmente, apesar de quase todos nós, nos dizermos espiritualistas e apregoarmos nossa fé na vida eterna, poucos de nós nos conduzimos de conformidade com tais convicções.

O que vemos, por toda a parte, é um desinteresse generalizado pelas questões espirituais e um apego total, absoluto, às coisas materiais. É uma negligência completa pelo que diz respeito ­à edificação da individualidade, enquanto tudo se sacrifica ao comprazimento da personalidade.

Ao invés de envidarmos sérios esforços no sentido de “sermos” hoje um pouco melhores que fomos ontem, pois que desse desenvolvimento espiritual é que há de resultar a nossa felicidade no dia de amanhã, cuidamos apenas de “ter” mais dinheiro, mais fama, mais prestigio social, esquecendo-nos de que estas coisas, gratas à nossa personalidade, não constituem ­patrimônio efetivamente nosso, não nos acompanharão além da sepultura e, pois, de nada valerão na esfera da espiritualidade.

Por afeiçoar-nos em demasia à “vida neste mundo”, que passa, célere, para encerrar-se melancolicamente sob sete palmos de chão, deixamos ­de cultivar as virtudes cristãs, tesouro que a traça não corrói, o ladrão não rouba e a ferrugem não desgasta — única moeda capaz de assegurar-nos o ingresso nas regiões ditosas do Mundo Maior.

Como diz o texto evangélico em tela, se o grão de trigo não morrer, isto é, não se desfizer da camada cortical que encerra o embrião, não germinará e conseqüentemente não poderá multiplicar-se.

Semelhantemente, para que nossa individualidade logre repontar, crescer e produzir maravilhosos frutos de altruísmo, mister se faz seja rompida a casca grossa do personalismo egoísta que a envolve.

Para consegui-lo, um só meio existe: seguir o exemplo do Mestre incomparável, entregando-nos a uma vivência de abnegação, exercitando-nos nas tarefas de auxílio ao próximo.

Amando e servindo nossos irmãos em humanidade, estaremos amando e servindo ao Cristo, pois, conforme sua afirmação, cada vez que assistimos a um desses “pequeninos” é a ele próprio que o fazemos.

Quem se ache empenhado nesse trabalho, continue, persevere. Embora o mundo o ignore ou não lhe reconheça os méritos, no devido tempo “o Pai celestial o honrará”.

Rodolfo Calligaris - Revista Reformador de março de 1966