Palestra realizada no Centro Espírita
Paz, Luz e Harmonia – Anderson
É fato
reconhecido que o egoísmo está na raiz dos diversos males sociais por que passa
a humanidade. Os diversos conflitos de interesse, as diversas formas de escravizar o
próximo
para atingir determinados interesses, mesmo os mais vis, sejam materiais ou
morais.
Sendo
desta forma, importante ressaltar que o egoísmo, ao qual colocamos a culpa de
inúmeros males, é apenas uma faceta de um mal maior, raiz, este sim, de
muitas das desgraças já acontecidas à humanidade em todos os tempos: o orgulho, pai do
egoísmo.
É
justamente o orgulho que dá base maior e mais firme, embora irracional, pois o orgulho tem
em si um ar de superioridade, uma certeza de que é melhor que os outros, e que não deve
favores a outrem mas, sim, são eles que os devem.
Segundo Allan
Kardec: julgando-se
com direitos preferenciais, molesta-se por tudo o que, em seu entender, o prejudica.
Naturalmente a importância que, por orgulho se atribui, o torna naturalmente
egoísta.
O
egoísmo e o orgulho têm, há que ressaltar, origem num sentimento natural: o instinto de
conservação. E este instinto, como afirmam os Espíritos em “O Livro dos
Espíritos”, procede da Lei de Conservação, Lei Natural.
Sobre este assunto, Herculano Pires escreveu o seguinte em Curso Dinâmico de
Espiritismo: A mais inútil das coisas e os mais prejudiciais dos seres são
necessários. E ser necessário é ser indispensável, é pertencer a um elo da
cadeia inimaginável que Kardec nos apresenta nesta frase tantas vezes repetida
no Livro dos Espíritos: tudo se encadeia no Universo.
Ele diz isto porque o “instinto de conservação”, em si mesmo é útil
para o desenvolvimento
do princípio inteligente no seu processo de individualização e evolução. Seu excesso é que é
prejudicial. E é Kardec, novamente, que explica este ponto: Este sentimento
contido em justos limites é bom em si; a sua exageração é que o torna mau e
pernicioso.
Importante
isto: o
instinto de conservação, enquanto dentro dos seus limites naturais, é essencial
para o correto desenvolvimento do espírito, enquanto ser psicológico (ou espiritual,
espírito imortal) e orgânico (enquanto preso a um invólucro carnal, passando
pelas fases da infância, juventude e madureza). Pois durante os primeiros anos de
vida (na fase infantil), esta tendência a ser o centro das atenções no seio familiar é um
fator característico.
Sobre
este ponto, Herculano Pires nos traz uma valiosa contribuição:
Podemos seguir esse processo no caso humano, em que o ego aparece como pivô
da personalidade em formação, desde a infância. A criança é egocêntrica, é um pivô em
torno do qual giram as atenções e as afeições da família.
Ela se
torna, naturalmente, no centro do mundo. Porque esse é o meio de consolidação da sua
individualidade. Até aqui, que luz não é lançada para os pais e para os educadores,
para compreenderem o processo de desenvolvimento das crianças chamadas “mais
difíceis”.
Não é na
aura que observaremos na criança para analisar se ela contém em si a essência
de um bom espírito, mas nos seus atos, que desde a infância, podemos avaliar.
Crianças
que ultrapassam este limite natural traçado pelo instinto de conservação, chegando a ser
agressivas, rabugentas, indisciplinadas (como por acaso são chamadas algumas crianças
da nova era), fogem a este padrão e se enquadram justamente nas que
desenvolveram (pelo menos hipoteticamente) mais a inteligência do que a moral, pois é inconcebível
que espíritos bons e benevolentes, quando encarnados se tornem indisciplinados,
egoístas, histéricos e violentos quando não são atendidos, chegando a parecer
que têm o rei na barriga.
As
crianças da “nova era”, como diz Kardec, em A Gênese, no capítulo “Os Tempos
são Chegados”, devem ser desta forma: A nova geração, devendo fundar a era do progresso
moral,
distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, unidas ao sentimento
inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de um certo grau de
adiantamento anterior.
Interessante
notar que o trecho seguinte afirma que esta nova geração não será exclusiva de
espíritos superiores, mais ou menos avançados, mas de espíritos diversos, sendo que todos
possuem em si os elementos necessários para secundar este movimento
regenerador: Disciplina, noção mais ampla do que seja o amor, sentimento inato
do bem e das crenças espiritualistas. Isto é apanágio de espíritos
indisciplinados, notadamente egoístas e arrogantes?
Bom,
como vimos, o instinto de conservação, sendo anterior à sua deterioração,
quando se converte em egoísmo, é bom em si, como tudo o que vem de Deus. Nós é que o
degeneramos.
E sendo
a caridade e a fraternidade o resumo de todas os deveres e condições sociais,
reclamando também a existência da abnegação, incompatível se torna a coexistência
da liberdade, igualdade e fraternidade ao lado do egoísmo e do orgulho. Eles são antagônicos e
na presença de um o outro se destrói.
Mas
transformar o egoísmo em amor, em caridade, em indulgência, abnegação não é
fácil. E
foi por isso que Kardec, no mesmo texto já citado de Obras
Póstumas afirma que "se quiserdes que os homens vivam como irmãos na Terra, não
basta dar-lhes lições de moral".
A
educação não deve ser somente aquela que instrui, mas, e
principalmente, aquela que forma o caráter do indivíduo. Essa a que Kardec se
refere em O Evangelho segundo o Espiritismo.
Quantas
vezes não
educamos nossos filhos dentro dos princípios do egoísmo e nos assustamos com o
monstro que criamos? Quando o proibimos de dividir seu brinquedo com um coleguinha da
escola, de dividir o lanche, de voltar para casa apanhado, entre outras
situações?
E aí
entra a missão dos pais na educação dos filhos, respondendo não somente pelo
bem que fez e o que o instruiu de fazer, mas acima de tudo, por todo o mal que o
ensinou, e principalmente, pela omissão em ensinar algo que sabia ser o certo, ou ao menos alertar
quanto à má conduta já em andamento.
Mas tem
gente que afirma que o egoísmo e o orgulho são impossíveis de serem destruídos por
serem inerentes ao homem. Se assim fosse, e o homem estivesse fadado ao atraso, a morrer com
o egoísmo, porque vemos hoje tantos movimentos em prol da caridade, da
fraternidade, sentimentos antagônicos dos primeiros?
Porque
observamos hoje uma preocupação maior com a prática de atitudes responsáveis,
éticas, morais? Será porque o mal é inerente ao homem, ou porque faz parte do
seu desenvolvimento como indivíduo assim como a sua libertação de tudo aquilo que
lhe é danoso e lhe atrasa o desenvolvimento moral e intelectual?
Kardec ainda
afirma que "a
causa do orgulho está na crença, que o homem tem, da sua superioridade
individual,
e aqui se faz sentir a influência da concentração do pensamento nas coisas da
vida terrestre".
E afirma
em seguida que "a incredulidade, além de não ter meio para combater o
orgulho, estimula-o e dá-lhe razão, pelo fato de negar a existência de um poder
superior à humanidade".
E não é
assim? O
homem que não teme o futuro, por acreditar que nada existe após o túmulo, em
que se baseia para ser caridoso? Não seria mais atrativo pensar nos seus
desejos e nas suas sensações que ficar a se martirizar por alguém ou uma causa
em que abandonará pela morte? Para quê se sacrificar em estudos e trabalhos exaustivos
se o destino disto é o nada?
Por isso
que, não sendo únicas, a crença em Deus e na vida futura, tal como apregoa o
Espiritismo, racionalmente, através de uma séria reflexão, é a condição
primeira, mais importante para esta transformação. Pois, além de ter em vista
o futuro, deve-se analisar com pesar o passado para se fazer uma justa idéia do
que se tem e passa no presente.
E a
Reencarnação oferece esta possibilidade. Pois se ele apenas considera a vida no
hoje, vê as desigualdades e não as pode explicar. Ao passo que se
observa o amanhã, com a correta noção do que foi ontem, as conseqüências dos
seus atos são extremamente outras.
Por
isso, no infinito campo, que o Espiritismo lhes põe aos olhos, a sua importância
pessoal anula-se, por que compreende que, sós nada valem e nada podem, que
todos precisamos uns dos outros não sendo nenhum mais que o outro; duplo golpe desfechado
contra o orgulho e o egoísmo. (Kardec, Obras Póstumas).
Léon
Denis afirma a mesma coisa em Depois da Morte: "(...) Antes de
tudo, o homem é um ser social. Está destinado a viver com os seus semelhantes; nada pode fazer sem
o concurso destes. Abandonado a si mesmo, ficaria impotente para satisfazer
suas necessidades, para desenvolver suas qualidades".
Mas só
aceitamos esta verdade quando, rebaixado o egoísmo, nos despimos da couraça criada pelo
orgulho, couraça
esta que só nos traz solidão e tristeza.
Entretanto,
esta mudança não ocorre de súbito. Ele não pode transcender vícios e
sentimentos de súbito. Muita luz o cega, o deslumbra, em vez de auxiliar. O homem
precisa de tempo para assimilar novas ideias, novos sentimentos. Precisa do
que Kardec chamou de “maturidade do senso moral” em O
Evangelho segundo o Espiritismo.
Por
isto, estava
corretíssimo “Lao Tse” ao se expressar desta forma: "Aquele que vence
o outro é forte, o que vence a si mesmo é invencível; quem conhece o outro é
sábio, quem conhece a si mesmo é iluminado".
Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: “Conhece-te a ti mesmo.” (O Livro dos Espíritos, questão 919)
Pois é
muito fácil analisar e apontar os erros do outro. Difícil mesmo é
assumir os nossos. E o egoísmo, aliado ao orgulho, é o sentimento mais difícil
de erradicar no homem, em vista das mil desculpas que criamos para alimentá-los.
Por isto
estava e está correto Lao Tsé: conhecer o outro pode nos tornar sábios,
gurus, mas
o conhecer a si próprio nos torna iluminados. E olha que existem inúmeros exemplos de
que isto é verdade.
Para
finalizar, "o Espiritismo é, sem contestação, o elemento mais potente
de moralização, porque alui os fundamentos do egoísmo e do orgulho, dando
sólido fundamento à moral". E mais adiante acrescenta:
"Ele
encontrou o homem no meio da vida, no ardor das paixões, na força dos
preconceitos, e se em tais condições tem operado prodígios, como não operará
quando o tomar no berço, virgem de todas as impressões maléficas, quando lhe
der, com o leite, a caridade, e o acalentar com fraternidade, quando, enfim, uma geração inteira
vier alimentada por idéias que a razão fortificará em vez de debilitar?"
Várias
gerações cresceram com os ensinamentos do Espiritismo mas, porque nós não vemos
de maneira precisa, a realização desta previsão de Kardec?
Porque,
embora não admitamos, estava certo Herculano Pires ao afirmar que "todos falam de
Espiritismo bem ou mal. Mas ninguém o conhece. (...) Na verdade os seus próprios
adeptos não o conhecem.
Quem se
diz espírita arrisca-se a ser procurado pra fazer macumba, despachos contra
inimigos ou curas milagrosas de doenças incuráveis. Grandes instituições
espíritas, geralmente fundadas por pessoas sérias, tornam-se às vezes
verdadeiras fontes de confusão a respeito do sentido e da natureza da
doutrina".
Embora
hoje, com o andar do movimento espírita brasileiro e mundial, esta realidade
esteja sendo retrabalhada, modificada, ainda impera, principalmente aqui no
Brasil, esta confusão, este desconhecimento. (e eu acrescento - de igual modo, isso
acontece aqui em Portugal, sendo que a Doutrina esteve proibida durante a
Ditadura de Salazar, vendo-se impossibilitada de se tornar conhecida do grande
público).
E por
isso, e
por nossa covardia em abraçar um ideal, com medo de perder os “favores mundanos”,
de abandonar velhos vícios é que não vemos esta realidade mudar. Não podemos ainda ver
com alegria uma geração realmente imbuída dos princípios do Espiritismo, e por
que não, das noções mais elementares das Leis Divinas que este ensina e
propaga.
Entretanto,
esta é uma realidade que se ainda não a vemos, temos a certeza e a fé que,
trabalhando todos unidos, de maneira séria e perseverante, poderemos, ao
desencarnar, vislumbrar um pouco daquilo que será a Humanidade quando as
crenças espíritas, seus princípios mais elementares estiverem disseminados em
nossa sociedade, provocando uma renovação social, uma transformação real no
dia-a-dia de cada um de nós.
Aí
poderemos sorrir satisfeitos por termos feito nossa parte, sabendo que os
Espíritos continuarão, como sempre estiveram, fazendo a parte deles, ensinando o amor,
destruindo o egoísmo e o orgulho, assim como todos os vícios inerentes a eles. Aí veremos a Era do
Espírito brilhar!