Com 2000 anos de Cristianismo, cristãos
ainda não se entendem – Por Jose Reis Chaves
O
apóstolo Paulo afirmou que as heresias são necessárias. Certamente, com esta
frase, ele tenha querido afirmar que, com elas, ensejava-se a oportunidade de se chegar
à verdade, ou pelo menos, mais próximo dela, já que a verdade humana é sempre relativa,
sendo absoluta só a divina.
Como as
religiões estão sempre em evolução, já que acompanham o desenrolar de
princípios filosófico-espirituais da Humanidade, quer sejam esses princípios
revelados ou oriundos de autoridades ou líderes religiosos, é normal que sempre
haja dissensões entre os seus adeptos, com uns buscando e aceitando o novo,
enquanto que outros tentam manter o velho.
Assim
sempre encontramos modos de pensar diferentes entre os seguidores de uma mesma
religião, estando uns 10, 50, 100 e 1000 anos na frente de outros. E o que é heresia
hoje, amanhã poderá ser ortodoxia.
O checo
João Huss, por exemplo, um dos precursores da Reforma Protestante, foi excomungado pelo
papa Alexandre V, e morto na fogueira da Inquisição por ordem do Concílio
de Constança, em 1414.
E a
causa de sua condenação foi a negação da transubstanciação, ou seja, o dogma da
transformação da hóstia e do vinho consagrados no corpo e sangue de Jesus, respectivamente, e a
não aceitação de somente o padre oficiante da missa poder participar da
comunhão com as duas espécies: pão e vinho consagrados. E, com efeito, hoje se permite que
os católicos participem também da comunhão com o vinho consagrado, ficando isso a
critério do vigário de cada paróquia.
O que
terá havido com essa mudança da Igreja? A resposta não seria simplesmente uma
evolução ou amadurecimento da sua cúpula, mas, principalmente, uma renúncia a seu ego que a levou a um gesto
de humildade em reconhecer que a heresia de João Huss não era bem uma heresia, apesar de que essa
falha significou a morte dele na fogueira!
Sempre
um dos maiores males de todas as religiões foram o seus exageros. E o Cristianismo não
constitui uma exceção dessa regra. Pelo contrário, pelo fato de ele ter se
aliado ao poder civil, o que, geralmente, é uma tragédia para as religiões, e
justamente no seu período mais difícil, ou seja, o de formação, não deu outra, ele não só expôs, mas
também, impôs, a ferro e fogo, seus dogmas, à proporção que os ia instituindo através dos
concílios ecumênicos.
E se,
por um lado, essa união do Cristianismo com o poder civil, mormente a partir do
Século IV, quando era Imperador Romano Constantino, trouxe tantos problemas
graves para a Cristandade, por outro lado, até foi alguma coisa de providencial para
ela, pois sem isso, provavelmente, o Cristianismo não se teria firmado, mas ter-se-ia
destruído, e , consequentemente, não lograríamos a ventura de ver chegar até
nós as maravilhas dos ensinamentos do nosso Mestre.
Porém,
em que pese esse lado positivo da união dos dois poderes, religioso e civil, as raízes do mal
ficaram bem plantadas no seio do Cristianismo. Dogmas foram instituídos, muitas das
vezes, não tanto por meio da propalada inspiração divina, mas, em meio a
exaltações e irritações humanas.
Exemplificando:
O grande teólogo grego, Nestório, criador da heresia que se originou de seu
nome, nestorianismo, ao participar do Concílio de Éfeso, em 431, estava escoltado
militarmente.
Bispos e
padres, na verdade, mas seres humanos que erram como qualquer um de nós, além
de serem menos cultos do que nós, hoje, pois que viveram numa época bem mais
atrasada do que a nossa, autoproclamando-se infalíveis, passaram a empunhar a bandeira da
verdade ou de só ensinarem a verdade.
E, às
vezes, às pressas, e dominados pelas paixões e odiosas rivalidades entre os
grupos de teólogos, imaginaram idéias teológicas, por vezes exóticas, outras vezes até
estranhas aos Evangelhos do Nazareno, e transformaram-nas em dogmas, o que quer dizer que
todos os fieis deveriam acatá-las, incondicionalmente, ou por bem ou por mal.
E
esses dogmas têm-se constituído, ao longo dos séculos, em fatores de grandes
polêmicas entre os cristãos, quando não em fatores de divisão, e o pior, até de
ateísmo para grande número de indivíduos ocidentais, embora a Igreja, muitas
vezes, tenha agido assim de boa fé.
Se
pensarmos na mentalidade da Humanidade do longínquo passado em que esses dogmas
foram proclamados, comparando-a com a de hoje, do terceiro milênio, nós vamos
ver que elas são totalmente incompatíveis entre si. Como exemplo, basta pensarmos na
passividade com que o homem medieval via as pessoas morrerem na fogueira, e, simplesmente,
porque essas vítimas pensavam diferente das massas ignaras e dos teólogos e
autoridades da Igreja.
E o
pior, tudo isso em nome do Evangelho de Jesus, e em nome de Deus! E, apesar de os
dogmas estarem caindo num esvaziamento muito grande entre os católicos, eles estão aí com os
seus radicais defensores que os aceitam, não pela razão ou pela lógica, mas,
por uma visão inteiramente cega, entre as pessoas simples e inocentes, úteis de
uma lado, e de outro, pela visão de uma teologia interesseira entre os doutos,
embora entre estes haja exceções, ou seja, pessoas sinceras que acreditam mesmo
no que falam.
Mas ter
uma fé sincera não significa que essa fé seja certa. Daí o citado esvaziamento
em que estão caindo os dogmas. E quanto mais a Humanidade desenvolver-se culturalmente, mais
essa situação tenderá a se agravar para o Cristianismo. E perguntamos como
vão ficar as Igrejas Cristãs, de um modo geral, no futuro?
Num
grande gesto de humildade, o papa João Paulo II vem pedindo a Deus e à
Humanidade perdão por alguns erros que a igreja cometeu no passado. Acontece
que a causa desses erros está em alguns desses dogmas. Por que, então, não
se fazer uma revisão deles, se a Igreja, no decorrer de sua história, já
convocou vários concílios para apreciar dogmas proclamados por outros
realizados anteriormente?
E
citamos aqui um exemplo do que estamos afirmando: O Concílio Ecumênico de Lion,
em 1274, foi convocado pelo Papa Gregório X, com o objetivo de tentar esclarecer
melhor o polêmico “Dogma da Santíssima Trindade”, instituído em conseqüência da
proclamação de outro não menos polêmico, ou seja, o da “Divinização de Jesus”,
quase mil anos antes, isto é, em 325 e 381, nos Concílios Ecumênicos de Nicéia
e Constantinopla, respectivamente.
Só que,
ao invés de trazer alguma luz para o assunto, as coisas complicaram-se mais
ainda, ao tratarem da questão do “Filioque” (expressão latina que quer dizer “e
do filho”). Segundo esse princípio dogmático, estabelecido no VIII Concílio
Ecumênico de Constantinopla, de 869
a 870, o Espírito Santo é emanado não só do Pai, mas também, de
Jesus Cristo.
Esse
dogma do “Filioque” é a causa principal que levou à instituição da Igreja Ortodoxa
Oriental, em 1054, e que se tornou na primeira grande cisão do Cristianismo. Até o citado Concílio
Ecumênico de Lion, as pessoas poderiam ser rebatizadas outras vezes, ao
quererem ver-se livres de um determinado pecado grave.
Mas a
questão principal foi mesmo a reapreciação do “Dogma do Filioque”, numa espécie
de resposta à atitude contrária a ele por parte da Igreja Ortodoxa Oriental, dogma esse
intrinsecamente ligado, como vimos acima, às pessoas da “Santíssima Trindade”.
Os
próprios teólogos vêm declarando, há séculos, que eles não podem entender essas
coisas. E
acrescentam que é porque se trata de mistérios de Deus, quando, na realidade,
trata-se de mistérios criados por eles mesmos! Mas, se mesmo com relação às coisa que
entendemos, temos às vezes dificuldades em ter fé nelas, como vamos ter fé nas
que não entendemos? O certo é que Jesus não criou nada dessas coisas complicadas.
E, se
por uma lado, para o Apóstolo Paulo, como vimos, as heresias são necessárias,
tendo o seu lado positivo em benefício do esclarecimento da Fé, por outro, em
virtude da complexidade dos dogmas estabelecidos pelo Cristianismo, elas
tornam-se inevitáveis e grandemente numerosas. E a prova disso é que a historia da
Igreja esta repleta de hereges que, infelizmente, em grande parte, morreram nas
fogueiras inquisitoriais.
E
abundam hoje nos meios católicos,
protestantes e evangélicos, as heresias, com relação a esses dogmas. Os
protestantes e evangélicos já nem as estranham mais, pois sempre conviveram com
elas. E a Igreja por sua vez, talvez porque esteja até abalada por tantos
traumas de condenação que fez ao longo da sua história, não quer saber de
condenar mais ninguém, fazendo de conta que está tudo bem, e ela está certa
nessa sua atitude, e vai levando as coisas no “banho Maria”.
Mas não
nos esqueçamos de que os protestantes, também, tiveram sua Inquisição, em alguns países
em que passaram a dominar. Mas a evolução da Humanidade, como sempre, estava em marcha. E a Inquisição chegou
ao seu fim, enquanto que as idéias religiosas, também, continuaram a avançar.
O
conhecido teólogo da Arquidiocese de Belo Horizonte, Pe. Alberto Antoniazzi, no
segundo de uma série de quatro artigos, a partir do número 660 do “Jornal
opinião” da citada Arquidiocese, abordando esse assunto, e sem falar em
heresia, palavra um tanto fora de moda, apresenta quadro baseado numa pesquisa
sobre religiosidade dos habitantes das grandes metrópoles brasileiras, em que o leitor pode
concluir que há um verdadeiro coquetel, que Antoniazzi chama de bricolagem, de
princípios religiosos aceitos pelas pessoas consultadas.
Essa
pesquisa foi feita, como o autor da citada matéria o reconhece, entre as
pessoas das classes (C) e principalmente, (D) e (E). Se o fosse entre as
classes (A) e (B), por serem, geralmente, de melhor nível cultural, essa
mistura de religiosidade, sem dúvida, seria maior ainda. Isso porque, quanto
maior nível cultural tiver uma pessoa, mais ela se liberta de amarras e
determinados preceitos religiosos antigos, e, com o devido respeito a eles, já
ultrapassados.
Por
isso, no chamado Primeiro Mundo, vamos encontrar uma porcentagem maior, ainda,
dessa espécie de libertação religiosa porque para a humanidade, o que já vem
acontecendo paulatinamente, desde o fim da Inquisição e, principalmente, a
partir do chamado período pós-modernidade.
E essa
mistura que o ilustre teólogo citado dá a entender ser fruto de um certo
comodismo, produto de um trabalho de bricolagem, deve-se à busca de princípios
doutrinários religiosos mais racionais, de que, infelizmente, as religiões cristãs
andam meio defasadas.
Não se
deve, pois, estranhar a grande porcentagem de católicos, e também de
protestantes e evangélicos que aceitam
hoje os princípios do espiritismo, tais como a Reencarnação, a Lei de Causa e Efeito
(carma), a Mediunidade, o Contato com os Espíritos e a crença em um Deus Único e Exclusivo,
ao qual referindo-se Jesus, disse:
“meu Pai
e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” e que Allan Kardec define na sua obra
monumental de Filosofia e Religião, “O Livro dos Espíritos”, como sendo “A Inteligência
Suprema”.
E essa
questão do Deus Único fica bem clara para nós, quando, na Bíblia vemos, várias vezes,
Jesus orando a Deus, ao Pai, mas nunca vemos Deus, o Pai, orando a Jesus, o
Filho. Ao
nosso ver, todas essas divergências no Cristianismo devem-se ao fato de ele
estar baseado, principalmente, em dois pólos, não necessariamente opostos,
embora isso aconteça também, isto é, o Cristianismo Bíblico, o mais consistente e
racional, sobretudo quando se estrutura ao Novo Testamento, e o cristianismo
polêmico, o que se apóia em dogmas.
Infelizmente
a cúpula da Igreja e dos Protestantes e Evangélicos esquece-se de que não estamos mais na
época em que os cristãos eram encabrestados mentalmente e à força, hoje só há os que se
deixam encabrestar mentalmente por sua livre e espontânea vontade, tendo que
escolher entre a aceitação dos dogmas ou da fogueira!
Dizendo
de outra maneira: Hoje, a Fé tem que ser racional, como o mostram João Paulo II em sua
notável Encíclica “Fides et Ratio” (Fé e razão), Santo Tomás de Aquino, com sua
célebre frase: “A Fé não pode violentar a razão”, e Kardec que, com mais
ênfase, também, se enquadra nesse princípio racional, com sua memorável e
conhecida afirmação: “ A Fé só é verdadeira, quando puder enfrentar a razão, face a
face, em qualquer época da história da Humanidade”.