Se o
homem tivesse uma única existência corporal, como crêem os, que rejeitam o
princípio da reencarnação, poder-se ia imputar ao Criador um gravíssimo defeito, qual
seja a falta de equidade, senão mesmo a mais clamorosa injustiça, pela circunstância de
suscitar as criaturas umas antes que as outras, privando assim as primeiras dos
benefícios reservados às que chegam por último.
Como
deixamos exposto em nosso escrito anterior, a civilização avança, vagarosa mas
ininterruptamente, de modo que, de um século a outro, há sempre, para o
homem, melhores condições de vida, o que equivale a dizer, mais felicidade.
Destarte,
todos quantos hajam vivido nos tempos primitivos, em que tiveram que enfrentar
a rudeza do meio e todo gênero de dificuldades, fartas e boas razões teriam para
lastimar-se
pela má sorte de terem nascido muito cedo.
Assim
também, todos quantos houvessem ajudado a promover o progresso do mundo,
através dos séculos, teriam motivo de queixa por não lhes ter sido dado viver mais
longamente, de modo a colherem os frutos de seus esforços e de seus
sacrifícios.
Deus,
porém, não poderia consagrar semelhante iniqüidade, e, pela lei das
vidas sucessivas, permite aos que viveram ao longo do passado voltem a viver na
Terra em épocas vindouras, assegurando-lhes, por esse processo de rigorosa justiça, o
ensejo de desfrutarem o que construíram e, através de novos labores e
experiências, participarem da marcha ascensional da Humanidade.
A
teoria, da vida única, que estamos analisando, dá margem, ainda, à seguinte
objeção: É princípio seu que a alma de cada ser humano é criada no momento de
sua união com o corpo, isto é, no instante do nascimento. Assim, pois, se o
individuo «A» é mais adiantado do que «B», é porque Deus criou para ele uma alma
mais adiantada. Por que esse favor? Que merecimento teria ele para ser dotado de
uma alma superior, mais burilada?
Essa,
entretanto, não é a maior dificuldade, e sim esta outra: “Se os homens vivessem
um milênio, argumenta Allan Kardec em “O Livro dos Espíritos”, conceber-se-ia que,
nesse período milenar, tivessem tempo de progredir. Mas, diariamente,
morrem criaturas em todas as idades; incessantemente se renovam na face do
planeta, de tal sorte que todos os dias aparece uma multidão delas e outra desaparece.
Ao cabo
de mil anos, já não há naquela nação vestígio de seus antigos habitantes. Contudo, de bárbara,
que era, ela se tornou policiada. Que foi o que progrediu? Foram os indivíduos
outrora bárbaros? Mas esses morreram há muito tempo. Teriam sido os recém-chegados?
Mas, se suas almas foram
criadas no momento em que eles nasceram, essas almas não existiam na época da barbárie
e forçoso será então admitir-se que os esforços que se despendem para civilizar
um povo têm o poder, não de melhorar almas imperfeitas, porém de fazer que Deus crie
almas mais perfeitas.
Comparemos
esta teoria do progresso com a que os Espíritos apresentaram. As almas vindas
no tempo da civilização tiveram sua infância, como todas as outras, mas já
tinham vivido antes e vêm adiantadas por efeito do progresso realizado
anteriormente. Vêm atraídas por um meio que lhes é simpático e que se acha em
relação com o estado em que atualmente se encontram.
Desta
forma, os cuidados dispensados à civilização de um povo não têm como conseqüência
fazer que, de futuro, se criem almas mais perfeitas; têm, sim, a de
atrair as que já progrediram, quer tenham vivido no seio do povo que se figura,
ao tempo da sua barbárie, quer venham de outra parte. Aqui se nos depara
igualmente a chave do progresso da Humanidade inteira.
Quando
todos os povos estiverem no mesmo nível, no tocante ao sentimento do bem, a
Terra será ponto de reunião exclusivamente de bons Espíritos, que viverão
fraternalmente unidos. Os maus, sentido-se aí repelidos e deslocados, irão procurar, em
mundos inferiores, o meio que lhes convém, até que sejam dignos de volver ao nosso,
então transformado.
Os que
vivemos neste século XX da era cristã, sejamos gratos ao Criador por aquilo que
permitiu já fosse realizado em favor do progresso e da tranqüilidade das
nações; compreendamos,
entretanto, o nosso papel no mundo, saibamos que somos os artífices do nosso
porvir e se quisermos viver, amanhã, numa sociedade ainda melhor, auxiliemos a
preparar o seu evento, cultivando o amor aos semelhantes, a bondade e a justiça, como
ensina o Evangelho de N. S. Jesus Cristo.
Rodolfo Calligaris - Revista Reformador de janeiro de 1972