Aids e a Conduta Espírita

A Discriminação colabora para o enfraquecimento
Moral e Espiritual do Paciente diante da Doença.

1. - Como o Espírita pode encorajá-lo nesta luta?

Radicada nos Estados Unidos, a psiquiatra suíça Elisabeth Kubler Ross se dedica aos doentes terminais há muitos anos. Seu livro Sobre a Morte e o Morrer se tornou muito difundido e, em virtude de seu esforço em aulas, cursos e palestras, criou condições para abrir às famílias a opção de levarem seus enfermos para casa quando se encontram no estágio final da doença.

Promovendo seminários sobre temas como “Vida, morte e transição” e “Amor e cura”, ela vem criando uma doutrina para a aceitação da morte e contribuindo para a tanatologia.



Participante da fundação do “Children’s Hospice International” e com um trabalho voltado para cancerosos e crianças em condições terminais, a Dra. Kubler Ross se converteu em um símbolo de dedicação ao próximo.

Além dos labores específicos e inovadores na área profissional, ela chega a tricotar xales nas horas vagas, que são vendidos em benefício de tais atividades, valendo-se da marca EKR, suas iniciais. Ela já esteve em São Paulo, expondo seus pontos de vista durante um congresso médico.

No início da década de 90, chegou ao nosso país sua obra Aids: o desafio final, na qual ela expõe, de forma lúcida e corajosa, sua experiência e pontos de vista com relação aos aidéticos, partindo da premissa de que “nós os ajudamos a viver até que morram”.

A Dra. Kubler Ross pondera que, ao invés de se encarar os aidéticos como portadores de um castigo divino, seria melhor vê-los como catalisadores que estão colocando em ação essas mudanças maravilhosas e realmente praticáveis.

Ela acredita que a Aids seja benéfica para nossa época. Creio que é com ela que agora iremos aprender. Os diplomados em amor incondicional que surgirão com a epidemia serão os melhores que já tivemos, disse.

Assim, ela desenvolve seu livro, muito rico em relatos sobre atendimento aos aidéticos terminais, suas lutas e dificuldades, procurando criar uma empatia com o aidético.

Para introduzir junto a eles o conceito de que devem levar mais em conta a qualidade de vida que terão em pouco tempo do que a quantidade (“podemos controlar a qualidade, mas não a quantidade”), a Dra. Kubler Ross encontra bastante resistência e preconceito em diversos níveis, inclusive entre seus pares.

“Quando penso que meus antigos colegas de profissão não conseguem sequer conversar sobre mim, dá até vontade de rir. Talvez ainda mande todos para um de nossos encontros”, disse.

2. – Os Bebês Aidéticos

Nos Estados Unidos, é grande o número de bebês que nascem portando o vírus da Aids. Alguns deles são abandonados pelas famílias e outros ficam órfãos, em virtude da morte precoce dos pais aidéticos.

Para recolher tais crianças, a Dra. Kubler Ross planejou construir um albergue em suas próprias terras, no lugarejo de Highland, no estado da Virgínia. Seu projeto suscitou muitas resistências. Providenciou-se até mesmo uma reunião com a comunidade local, para que ela, alguns colegas e colaboradores prestassem informações sobre o projeto.

Então, surgiram manifestações de todo tipo, sendo que algumas eram bem radicais, como esta transcrição do trecho em que o Sr. MacDowell questiona: “Será que a Dra. Kubler Ross é realmente cristã? No ano passado, ela declarou que, se lêssemos atentamente a sagrada bíblia, veríamos que ela não descarta a reencarnação.

E o mais importante: penso que ela estuda a morte e o morrer para levar adiante essa sua crença na reencarnação. Usando ou não de sinceridade, seus ensinamentos são falsos, são contra a palavra de Deus e, obviamente, não podem ajudar as vítimas”.

Assim, o projeto de albergue para bebês aidéticos não teve o respaldo da comunidade de Highland e, diante disso, a Dra. Kubler Ross recorreu ao cadastro de remetentes das milhares de cartas que recebe, cerca de 250 mil por ano, para procurar famílias que estivessem dispostas a adotá-los.

3. - Fenômenos de Quase-Morte

Como já fazia com outros doentes terminais, a Dra. Kubler Ross se preocupou em valorizar e registrar as ocorrências espirituais. Assim, ela observou que, nas semanas ou dias finais, muitos aidéticos tiveram visões ou tomaram ciência da ajuda do além.

Alguns deles escreveram cartas de profundo conteúdo espiritual, “cartas que deveriam nos envergonhar, tal a sua espiritualidade”, disse a psiquiatra. Um desses relatos dizia: Estou me sentindo meio apartado de meu corpo. Quando consigo relaxar, posso flutuar. Não vejo meu corpo de modo algum agora.

Tornei-me menos atado a ele de várias formas. Na noite passada, por exemplo, estava deitado, apenas relaxando e tentando, com muito empenho, sair do corpo, chegar àquele estado no qual não ficamos nem acordados, nem dormindo.

Não tive visões de árvores ou água, nada tão específico, apenas desenhos a cores. E lá estava eu, deitado em meu quarto. Aí, as cores se transformaram em um branco e dei com um longo túnel. Sentei-me e disse: “não está na hora”. Precisei gritar não várias vezes, por algum tempo.

Um outro doente, fazendo referência ao companheiro já desencarnado, contou: “Não tenho assim um diálogo com ele, mas todos têm seu modo particular de meditar. O que faço é ir à sala com lareira, onde mantenho duas cadeiras.

Sempre surge uma luz brilhante do outro lado, o que imagino ser algo divino ou coisa parecida. E sinto que ele está nessa sala. Houve também o caso de um paciente que se abriu com uma enfermeira, comentando que gostaria de se comunicar “depois” com seu parceiro.

4. - Religião e tratamentos alternativos

Embora a Dra. Kubler Ross desenvolva todo este trabalho junto aos doentes terminais sem esconder seu raciocínio espiritualista e seja constantemente citada em periódicos espíritas, até mesmo no Psychic News de Londres, Inglaterra, parece que ela é desvinculada do movimento religioso.

Diante de uma pergunta feita durante a triste assembléia em Highland, sobre se ensinava as crianças a viver em Jesus Cristo ou lhes falava sobre reencarnação, se professava alguma seita, ela respondeu: “Sou cristã, não possuo seita alguma”.

Evidentemente, é muito mais significativa a ação inovadora da médica do que qualquer comprometimento de ordem religiosa. Na verdade, suas atitudes são eivadas de uma profunda religiosidade, que é muito mais importante do que estar vinculada a alguma religião.

Inclusive no que se refere às formas de tratamento, sem desmerecer o esforço do meio científico do qual ela própria faz parte, a Dra. Kubler Ross não combate eventuais tentativas com outros métodos.

“Há gente morrendo com tratamento alternativo tanto quanto os que morrem com ou sem tratamento médico ortodoxo regular. Mas parece que a qualidade de vida dos que fazem terapia alternativa é bem superior”, disse.

Em seu livro, lê-se citações sobre a atuação dos médiuns, de orações, de apoio de grupos espiritualistas, referindo-se, portanto, a esse conjunto de procedimentos que melhora as condições psíquicas e espirituais dos pacientes em atendimento médico.

5. - Esclarecimentos espirituais

“Curai os enfermos que nele houver e dizei-lhes: é chegado a vós o reino de Deus”, afirma Lucas no capítulo 10, versículo 9. No livro Pão Nosso, psicografado por Francisco Cândido Xavier, encontramos o seguinte ensinamento:

“Não nos interessa apenas a regeneração do veículo em que nos expressamos, mas, acima de tudo, o corretivo espiritual. Que o homem comum se liberte da enfermidade, mas é imprescindível que entenda o valor da saúde.

Existe, porém, tanta dificuldade para compreendermos a lição oculta da moléstia do corpo quanto se verifica em assimilarmos o apelo ao trabalho santificante que nos é endereçado pelo equilíbrio orgânico.

É sempre útil curar os enfermos, quando há permissão de ordem superior para isso. Contudo, em face de semelhante concessão do Altíssimo, é razoável que o interessado na benção reconsidere as questões que lhe dizem respeito, compreendendo que raiou para seu espírito um novo dia no caminho redentor.

A Aids não deve ser entendida como um “castigo divino”. Em uma mensagem espiritual, anota-se que é “um desses flagelos que o homem engendrou para a própria depuração espiritual”.

Mesmo sendo resultado de um desatino humano, ressalta-se que, por mais discrepante que seja o comportamento humano, as mensagens cristã e espírita são claras, acenando com a possibilidade de arrependimento, renovação e progresso.

Sem essa dinâmica, não haveria a oportunidade de evolução do espírito humano. Por outro lado, o conhecimento do perispírito evidencia que as enfermidades se instalam entre aqueles que têm predisposição perispiritual para isso, ou seja, a reincidência em um determinado desequilíbrio se torna um agente desencadeador para o estabelecimento de doenças como a Aids.

Mesmo assim, os cuidados preventivos devem ser redobrados. Não se pode olvidar os conhecimentos científicos e, misticamente, confiar na imunidade a essa ou aquela enfermidade.

Na verdade, desconhecemos os nossos “mapas” perispirituais. As matrizes do perispírito esclarecem a ocorrência da Aids entre aqueles que não se contaminaram pelo sexo ou pelo tóxico, isto é, hemofílicos e filhos de aidéticos, que não se expuseram deliberadamente ao contágio sexual.

Em mensagem psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, temos, em determinado trecho, que: “qualquer medida profilática em relação à Aids e, por extensão, às enfermidades desgastantes e avassaladoras tem que se iniciar na conduta mental, exteriorizando-se na ação moral, que reflete o conceito latino: mente sã em corpo são”.

O equilíbrio sexual e mental, de forma geral, e a profilaxia das toxicomanias são básicos. A esse respeito, a literatura espírita tem muito a oferecer.

É o momento adequado para que as sociedades espíritas promovam estudos e esclarecimentos sobre a Aids e sua profilaxia, assim como, paralelamente, orientações correlatas sobre sexo e tóxicos.

A visão espírita é abrangente e compreensiva. Acreditamos que, ao invés da radicalização no moralismo, o momento agora sugere posições reais e humanistas, visando a espiritualização dos seres.

Os espíritas não podem ser e agir da mesma forma que os indivíduos que discriminaram os hansenianos e os empesteados nos idos de nossa história.

6. - Ação espírita

É importante esclarecer a população a respeito dos conhecimentos científicos sobre a Aids e oferecer orientações doutrinárias. Além disso, deve-se tecer considerações esclarecedoras acerca da enfermidade nas reuniões públicas, preparando o estado de espírito dos freqüentadores com o intuito de evitar discriminações contra pessoas eventualmente enquadráveis nos chamados “grupos de risco e os próprios aidéticos”.

Também se deve deixar claro que os indivíduos com distúrbios ou dificuldades em seu comportamento, bem como qualquer doente (como o próprio aidético), não devem ser discriminados nos atendimentos espíritas.

É oportuno lembrar que, no tempo de Jesus Cristo e dos primeiros cristãos, mesmo sem os cuidados profiláticos de que dispomos hoje para enfrentar as enfermidades, o dever de amparar e orientar se impunha nas comunidades.

No livro Paulo e Estevão, psicografado por Francisco Cândido Xavier, encontramos um trecho de uma assertiva de Pedro a este respeito:

“A estas portas têm batido homens esfarrapados que foram políticos importantes, mulheres leprosas que foram rainhas! Em contato com a história de tantos castelos desmoronados, no jogo de vaidades mundanas, agora reconheço que as almas necessitam do Cristo acima de tudo”.

Atualmente, deve-se aliar a prática das recomendações científicas às formas de atendimento espiritual. Perante os doentes, a conduta da equipe de trabalho tem que ser a de atendê-los com o máximo de atenção e consideração, da mesma maneira que se atende aos sãos do corpo, evitando palavras duras, recriminações e chacotas.

Ao receberem a informação de que estão recepcionando um aidético, os responsáveis pelo atendimento não devem manifestar qualquer tipo de discriminação, muito menos comentar ou divulgar o fato de que eles ou a sociedade estão prestando atendimento para tais pessoas.

No tocante às relações interpessoais e à higienização de ambientes, os cuidados aplicáveis são os mesmos destinados a outros doentes. Mais especificamente na limpeza de locais, os procedimentos de higiene são os normais, exceto se um desses doentes sofrer perda de sangue no ambiente.

Já nos diálogos e orientações para leituras, deve-se enfatizar os princípios de imortalidade da alma e da reencarnação, ou seja, o mesmo bate-papo aplicável a qualquer doente terminal.

Geralmente, o aidético apresenta carências acentuadas de afeto e orientação. Seu estado de saúde, as discriminações sociais e familiares e, muitas vezes, os fatores relacionados com as causas do contágio exacerbam suas angústias, dúvidas e necessidades afetivas e espirituais.

Alguns ficam predispostos ao suicídio e, algumas vezes, à reação revanchista, decorrendo daí a importância da orientação espírita.

7. - Integração e ensinamentos

Quando se encontra em condições razoáveis de bem-estar, o aidético pode freqüentar reuniões públicas e receber passes na sociedade espírita, mas se não tiver condições de se locomover ou estiver acamado, uma equipe do centro poderá realizar visitas ao doente em seu domicílio, aplicando-lhe passes e procurando dialogar com ele.

Não há risco de contágio por diálogos, abraços, apertos de mão, passes, talheres e copos. Com base em recomendações do Ministério da Saúde, “pacientes portadores de Aids podem utilizar salas de espera e banheiros comuns a qualquer tipo de paciente, desde que ele tenha hábitos condizentes de higiene e comportamento”.

Entretanto, como regra geral de higiene, recomendamos que os copos para água fluidificada sejam descartáveis, que os funcionários da sociedade espírita limpem os banheiros sem tocar nada diretamente com as mãos (empreguem luvas).

Substâncias como cloro, cândida, etc., são úteis para a limpeza de ambientes, com referência ao ambiente ou lar no qual o aidético vive, há a necessidade de cuidados específicos de higienização, requerendo orientações adequadas de uma equipe de saúde.

Nos esclarecimentos sobre Aids, deve-se valorizar os aspectos educativos e profiláticos, ao mesmo tempo que se preparam as sociedades espíritas para eventuais atendimentos aos aidéticos.

Estas devem incentivar atividades que esclareçam o papel da família, e sua relação com o centro e a capacitação da sociedade espírita para dinamizar e integrar suas várias frentes de trabalho, visando o atendimento integral.

Os grupos de estudo e palestras públicas devem incluir, em seus temários, a análise de problemas atuais dentro da visão espírita, tendo em vista que seminários sobre família, sexo e tóxicos são extremamente necessários e oportunos.

Associação Médico-Espírita do Brasil
Antônio César Perri de Carvalho


O que é Tanatologia?

A morte ainda é um tabu para a nossa cultura. Ainda prevalece a noção de que a morte é um erro, uma imperícia ou um fracasso. Na era da ciência e da tecnologia conseguimos fazer descobertas surpreendentes, mas não conseguimos conviver com o grande mistério da morte.

A Tanatologia é ciência da vida e da morte que
visa humanizar o atendimento aos que estão sofrendo perdas graves, podendo contribuir dessa forma na melhor qualificação dos profissionais que se interessam pelos Cuidados Paliativos.