Parábola do Rico e Lázaro

Parábola do Rico e Lázaro
(Mateus, XVI 10-31)

Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e que todos os dias se regalava esplendidamente. Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que estava deitado ao seu portão, desejoso de fartar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico, mas ninguém lhas dava; e os cães vinham lamber-lhe as úlceras.

Morreu o mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico, e foi sepultado. No Hades, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe Abraão e a Lázaro no seu seio.



E clamou: Pai Abraão, tem compaixão de mim! E mande a Lázaro que molhe a ponta do seu dedo, e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama!

Mas Abraão respondeu: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens na tua vida e Lázaro do mesmo modo os males; agora, ele está consolado, e tu em tormentos.

Demais, entre nós e vós está firmado um grande abismo, de modo que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os de lá passar para nós.

Ele replicou: Pai, eu te rogo, então, que os mandes à casa de meu pai (pois tenho cinco irmãos) para os avisar a fim de não suceder virem eles também para este lugar de tormento!

Mas Abrão disse: Eles têm Moisés e os profetas ouçam-nos. Respondeu ele: Não, Pai Abraão, mas se alguém for ter com eles dentre os mortos, hão de se arrepender.

Replicou-lhe Abraão: se não ouvem a Moisés e aos profetas tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém entre os mortos.

1 – Cairbar Schutel

Este ensino é a proclamação da lei da caridade, cuja execução é imprescindível para todos os que se abrigam sob o seu pálio santo, como também para os que fogem aos seus generosos convites.

O rico e o pobre Lázaro personificam a Humanidade, sempre rebelde aos ditames da luz e da verdade. O rico gozou no mundo e sofreu no espaço; Lázaro sofreu no mundo e gozou no espaço.

Este rico que se vestia de púrpura e que todos os dias se regalava esplendidamente, é o símbolo daqueles que querem tratar da vida do corpo e esquecem-se da vida da alma.

São os que buscam a felicidade no comer, no beber e no vestir; são os que se entregam a todos os gozos da matéria, são os egoístas que vivem unicamente para si, os orgulhosos que, entronados nos altares das paixões vis, da vaidade, da soberba, não vêem senão o que lhes pode saciar a sede de prazeres, não cultivam senão a luxúria, que mata os sentimentos afetivos e anula os dotes de coração.

O rico é a personificação daqueles que são escravos do reino do mundo, que não vêem mais do que o mundo, esse paraíso perdido entre os charcos da degradação moral, que avilta as almas e as atira aos infernos hiantes dos vícios.

Jesus falava geralmente por parábolas; e esta lição que o Mestre ofereceu há 2.000 anos aos povos da Palestina, e que consta do Evangelho de Lucas como um conselho salutar e memorável, nada é mais do que uma parábola; é um ensino alegórico, representativo do que se passa no espaço, para afirmar que a nossa vida ultra-tumba, é uma consequência justa e equitativa da nossa existência na Terra.

O rico passou toda a sua vida a se fartar esplendidamente, a desprezar os pobres, a desprezar Deus, a não curar da sua lei, a dar as costas à religião, a gozar e a folgar, mas, quando morreu, não pode continuar a viver como vivia, vestindo-se de púrpura, comendo manjares, bebendo licores, porque no mundo dos Espíritos não há púrpuras, não há manjares, não há licores.

Ele já se havia fartado com os prazeres da Terra, não podia fartar-se depois com os prazeres do Céu, porque não os havia buscado, nem havia adquirido o tesouro com que se conquista as glórias celestes.

Nu, sem dinheiro, sem crédito para arranjar melhor morada, lhe foi destinado o Hades, e, segundo diz o texto, ele lá se achava, contrariado, por lhe faltarem as comodidades que tivera na Terra, os gozos de que fizera o seu reino no mundo.

Lázaro representa os excluídos da sociedade terrena, aqueles que, quando muito, podem chegar ao portão dos grandes templos, aqueles que não podem atravessar os umbrais dos palácios dourados, aqueles que essa sociedade corrompida do mundo despreza, amaldiçoa, cobre de labéus, crava de setas venenosas que lhes chagam o corpo todo.

Os Lázaros não são esses pobres orgulhosos do mundo, que não têm muitas vezes o que comer e o que vestir, mas estão cobertos com a púrpura do orgulho; não é essa gente que não tem dinheiro mas tem vaidade; não tem palácios, mas tem egoísmo; não tem jantares opíparos, mas tem prazeres nefastos; não, os pobres, de que Lázaro serviu de símbolo na parábola, são os que sofrem com resignação, são os que desprezam os bens da Terra, porque buscam as coisas de Deus, são aqueles que se vêem usurpados daquilo que por direito lhes pertence no mundo, mas, pacientes e resignados, não se revoltam, porque crêem no futuro e esperam as dádivas que lhes estão reservadas por Deus.

Eles sabem, porque estudam, esperam e oram, que existe um Criador, um Pai Supremo, que lhes dará o prêmio de suas vigílias, um salário pelos seus afazeres morais, uma luz para sua orientação espiritual; e que esse prêmio, esse salário, essa luz, embora às vezes, pareça tardar, não faltará, porque a justiça de Deus é infalível, é indefectível!

E assim que morreu Lázaro, o mendigo, e foi conduzido pelos anjos ao seio de Abraão; morreu também o rico e foi posto no Hades. Duas personalidades distintas uma que gozou, outra que sofreu; uma a quem nada faltava, outra a quem tudo faltava, vão trocar agora as suas condições; vão mudar de cenário: o mendigo vai para a abundância, e o rico é que passa a mendigar! É o reverso da medalha, que se apresenta a todos no dia do julgamento.

Vós tendes visto muitas medalhas? Figuremo-las numa libra esterlina: de um lado traz a figura do rei, mas, do outro traz o seu valor real. Assim acontece também conosco. Cada um de nós é uma medalha; e como a medalha, a libra de ouro vale segundo o câmbio corrente, assim também nós valemos de acordo com o câmbio espiritual, que taxa o valor das nossas almas.

Aqueles que olham só a efígie, não conhecem o valor do dinheiro, porque a efígie, o verso da medalha, traz só o retrato do rei, e a medalha não vale o rei. Assim também os que olham o homem só pelas aparências, pelo exterior, não conhecem o homem, porque o exterior do homem é a efígie da vaidade, do egoísmo e do orgulho.

O que vale na medalha é o reverso; o que vale no homem é o interior, ou seja, o Espírito. O rico trazia no verso o característico do rei, mas, depois que morreu, apurou-se o valor da medalha gravado no reverso, e esse valor não permitiu ao rico senão a entrada no Hades.