Parentela espiritual e Parentela corporal
Fonte.: Richard
Simonetti
Está no Evangelho de Mateus (12:46-50) que Jesus
pregava a pequena multidão, em uma residência, quando foi informado de que sua mãe e
seus irmãos o procuravam e desejavam falar-lhe.
Perguntou o Mestre: “Quem
é minha mãe e quem são meus irmãos?”. E, indicando seus
discípulos: “Eis aí minha mãe e meus
irmãos! Pois quem cumpre a vontade do meu Pai
que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe”.
Melhor que ninguém Jesus conhecia e cumpria o dever de honrar pai e
mãe, consoante o princípio divino enunciado na Tábua da Lei, o que, obviamente,
implica dar-lhes atenção e deles cuidar. Por que, então, essa aparente
contradição?
Não é difícil definir o que ocorreu. Suponhamos que eu estivesse em
casa de amigos espíritas, falando a respeito da pluralidade dos mundos
habitados. Alguém avisa: “Richard, sua mãe e seus irmãos estão aí fora e querem falar-lhe”.
Soaria mal.
Mas se estivesse falando sobre os valores da fraternidade,
considerando a existência da família universal, filhos de Deus que somos todos,
então a
observação surgiria como uma ilustração, sem causar estranheza. É provável que assim
tenha ocorrido com Jesus.
Como o episódio foi registrado fragmentariamente, a observação pode
sugerir uma desconsideração com sua família. Há várias passagens evangélicas em que
temos dificuldade para compreender seu pensamento, que nos parece enigmático e
obscuro justamente porque houve um registro precário, sem que saibamos das
circunstâncias que ensejaram a lição das explicações posteriores que ofereceu
aos ouvintes.
Consideremos também o problema da afinidade. Explica Kardec, em
"O Evangelho segundo o Espiritismo", que as palavras de Jesus sugerem que
há uma parentela carnal e uma parentela espiritual. Os parentes pela carne
são aqueles que têm o mesmo sangue. Pais e filhos, irmãos e irmãs.
Não raro, embora vivendo sob o mesmo teto, atendendo a variados
compromissos, estão separados pela diferença de aptidões, de tendências, de
estágio evolutivo. As ligações pela carne podem ser constrangedoras e atritantes,
porquanto envolvem pessoas que devem caminhar juntas mas não entram em acordo
quanto aos caminhos ideais.
Se não conseguem ajustar-se, exercitando entendimento, podem resvalar para
a frustração e a rebeldia, transformando o lar em palco de lamentáveis dramas, onde se fazem
presentes a traição, a agressão, a deserção.
Já a parentela espiritual é diferente. São Espíritos que se
identificam nos mesmos ideais, nas mesmas tendências, nos mesmos desejos de
realização superior, estabelecendo preciosos elos de simpatia e afetividade.
As ligações humanas podem romper-se com a morte, se determinadas
apenas pelo sangue; mas as ligações espirituais, sustentadas pela afinidade,
prolongam-se além-túmulo. Formam famílias ajustadas e felizes, cujos membros ajudam-se
sempre, cada vez mais unidos, embora atendendo, eventualmente, a compromissos
distintos.
Pode ocorrer que um membro de nossa família espiritual não esteja
reencarnado ao nosso lado, mas poderá ter assumido a posição de nosso mentor, o
chamado anjo de guarda, que nos acompanha, estendendo sobre nós sua proteção e nos
estimulando ao cumprimento de nossos deveres.
Quem melhor que o membro qualificado da família espiritual poderia desempenhar
com maior dedicação e eficiência semelhante tarefa? Imagino a esposa
pensando:“Agora sei por que é tão difícil conviver com aquela besta que se
intitula meu marido. Certamente é um inimigo do passado que devo aturar para
ver-me livre dele um dia”.
O marido:“Ainda bem que aquela megera que se faz mãe de meus filhos
pertence apenas à família humana. Não precisarei me preocupar com ela quando o
diabo a levar”.
O filho:“Desconfio não existir nenhuma ligação maior com meus pais.
São uns quadrados que só complicam minha vida. Logo que puder darei no pé.
Quero distância!
Gente que pensa assim não entendeu bem o espírito da lição. A convivência com a
parentela carnal não é um mero exercício de forçada tolerância para que nos
livremos dela um dia. A finalidade maior é a harmonização.
Trata-se de aprendermos a conviver bem com os familiares, criando elos de
simpatia e afeto, ainda que sejamos diferentes.
Se apenas toleramos aquele que está a nosso lado, guardando mágoas
e ressentimentos, estaremos perdendo o nosso tempo e semeando dificuldades para
o futuro.
Certamente todos gostaríamos de pertencer à família de Jesus. Para
tanto, segundo
suas palavras, é preciso cumprir a vontade de Deus. Parece meio complexo,
não é mesmo, amigo leitor? Saber o que Deus espera de nós? É assunto de uma
vida para os filósofos.
É desafio de muitas bibliotecas para os pesquisadores. Aqui entra a
incomparável sabedoria do Mestre. Em breve enunciado ao alcance de todas as
inteligências, explica que cumprir a vontade de Deus é fazer pelo semelhante
todo o bem que gostaríamos de receber. Simples, não é mesmo?
Simples e eficiente, principalmente no lar. Quando alguém se
torna irmão de Jesus a família humana é invariavelmente beneficiada. Ninguém consegue ficar
indiferente a exemplos diários de abnegação e sacrifício, compreensão e
renúncia, bondade e discernimento.
Quando, observando o Evangelho, deixamos de ver nos familiares a
besta, a megera, o quadrado, e os enxergamos como a nossa oportunidade de colaborar
com Deus na edificação de seus filhos, operam-se prodígios de entendimento em favor
da mais gloriosa das realizações: Integrar-nos todos na família universal.