Análise dos Sofrimentos – 02 Capítulo
Do livro Plenitude de Joanna de Ângelis
Buda ensinava que a única função da vida é a luta pela vitória sobre o sofrimento. Empenhar-se em superá-lo deve ser a constante preocupação do homem.
Após tentá-lo mediante o ascetismo mais austero e as disciplinas mais rígidas, o jovem Gautama afastou-se do monastério com alguns candidatos desanimados e foi meditar, calmamente, logrando a iluminação.
Estabeleceu a teoria do (caminho do meio) para alcançar a paz. Nem mais a austeridade cruel, nem as dissipações comuns, mas o equilíbrio da meditação.
Voltou-se então para a libertação dos homens e estabeleceu as quatro “Nobres Verdades”: o sofrimento, suas origens, a cessação do sofrimento e os caminhos para a libertação do sofrimento.
Segundo as suas reflexões, o sofrimento se apresenta sob três formas diferentes: o sofrimento do sofrimento; o sofrimento da impermanência e o sofrimento resultante dos condicionamentos.
O sofrimento do sofrimento é resultante das aflições que ele mesmo proporciona. A dor macera os sentimentos, desencoraja as estruturas psicológicas frágeis, infelicita.
Leva a conclusões falsas e estimula os estados de exaltação emocional ou de depressão conforme a estrutura íntima de cada vítima.
Apresenta-se sob dois aspectos: físico e mental, na imensa área das patologias geradoras de doenças. Neste caso, o sofrimento é como uma doença e resultado dela.
As doenças, porém, são inevitáveis na existência humana, em razão da constituição molecular do corpo, dos fenômenos biológicos a que está sujeito nas suas incessantes transformações.
A abrangência da ação da matéria sobre o Espírito, particularmente nos estágios mais primitivos, enseja sofrimentos constantes em face das doenças físicas contínuas e das distonias mentais freqüentes.
Á semelhança do buril agindo sobre a pedra bruta e lapidando-a, as doenças são mecanismos buriladores para a alma despertar as suas potencialidades e brilhar além do vaso orgânico que a encarcera.
Nesta área, a ciência médica alcançou um elevado patamar do conhecimento, debelando antigas enfermidades que dizimavam milhões de existências e alucinavam multidões.
A lucidez do diagnóstico, a habilidade cirúrgica, a farmacopéia rica e as diversas terapias alternativas, têm contribuído com um grande contingente de socorro para atender os enfermos.
Embora os surtos periódicos de antigos males e o surgimento de outros que a imprevidência gera, essa conquista expressiva contribui para que tal sofrimento seja atenuado.
Na área das psicopatologias a visão humana é hoje mais benigna do que no passado, considerando o enfermo mental um ser humano, e como tal prossegue, ainda que momentaneamente tenha perdido a identidade, o equilíbrio, com o direito de receber assistência, oportunidade e amor.
Multiplicaram-se, lamentavelmente, porém, os distúrbios existenciais, comportamentos, na área psicológica, nascendo a chamada geração neurótica perdida no mare magnum das vitimas do sexo em desalinho, das drogas alucinantes, da violência e agressividade urbanas, do cinismo desafiador.
Os avanços tecnológicos não bloquearam os corredores do desespero, a cultura hedonista, fria em relação aos valores morais, e as guerras contínuas fomentaram o medo, a insatisfação, o desespero, as fugas emocionais.
A juventude insegura tornou-se lhe a grande vitima a um passo da depressão, da loucura, do suicídio.
Ao lado das diversificadas patologias desesperadoras do momento os fenômenos psicológicos de desequilíbrio alastraram-se incontroláveis. A mole humana passou a sofrer o efeito desses sofrimentos que se generalizaram.
A doença, todavia, é resultado do desequilíbrio energético do corpo em razão da fragilidade emocional do Espírito que o aciona.
Os vírus, as bactérias e os demais microorganismos devastadores não são os responsáveis pela presença da doença, porquanto eles se nutrem das células quando se instalam nas áreas em que a energia se debilita.
Causam fraqueza física e mental, favorecendo o surgimento da doença, por falta da restauração da energia mantenedora da saúde.
Os medicamentos matam os invasores, mas não restituem o equilíbrio como se deseja, se a fonte conservadora não irradia a força que sustenta o corpo.
Momentaneamente, com a morte dos micróbios, a pessoa parece recuperada, ressurgindo, porém, a situação, em outro quadro patológico mais tarde.
A conduta moral e mental dos homens, quando cultiva as emoções da irritabilidade, do ódio, do ciúme, do rancor, das dissipações, impregna o organismo, o sistema nervoso, com vibrações deletérias que bloqueiam áreas por onde se espraia a energia saudável, abrindo campo para a instalação das enfermidades, graças à proliferação dos agentes viróticos degenerativos que ali se instalam.
Quase sempre as terapias tradicionais removem os sintomas sem alcançarem as causas profundas das enfermidades.
A cura sempre provém da força da própria vida, quando canalizada corretamente. As tensões físicas, mentais e emocionais são, igualmente, responsáveis pelas doenças (sofrimento que gera sofrimento).
O homem, desde as suas origens sociais, aprende a ter medo, a conservar mágoas, a desequilibrar-se por acontecimentos de somenos importância, desarticulando o seu sistema energético.
Passa de um aborrecimento para outro, cultivando vírus emocionais que facultam a instalação dos outros, degenerativos, responsáveis pelo agravamento das suas doenças.
Os condicionamentos, as idéias pessimistas, as crenças absurdas, as ações vexatórias são responsáveis pelas tensões que levam à desarmonia.
Evitando essas cargas, o sistema energético-imunológico liberará de doenças o indivíduo, e a sua vida mudará, passando a melhorar o seu estado de saúde.
As causas profundas das doenças, portanto, estão no indivíduo mesmo, que se deve auto-examinar, auto-conhecer se a fim de liberar-se desse tipo de sofrimento. De imediato há o prazer que gera sofrimento.
O cotidiano demonstra que a busca insaciável do prazer constitui um tormento que aflige sem compensação.
Quando se tem a oportunidade de fruí-lo, constata-se que o preço pago foi muito alto e a sensação conseguida não recebeu retribuição correspondente.
Ademais, há aquisições que proporcionam prazer em um momento para logo se transformarem em dores acerbas. E o responsável por esse resultado é a ilusão.
A maioria dos sofrimentos decorre da forma incorreta por que a vida é encarada. Na sua transitoriedade, os valores reais transcendem ao aspecto e à motivação que geram prazer.
Esse é o sofrimento da impermanência das coisas terrenas. Esfumam-se como palha ao fogo, atiçado pelo vento, logo se transformando em cinza flutuando no ar.
Para conseguir desfrutar de determinado prazer o indivíduo investe além das possibilidades, constatando, depois, quantas dificuldades tem a enfrentar para manter essa conquista.
A luta para possuir um automóvel último modelo expõe-no a compromissos pesados para o futuro.
A imaginação estimula-o com a ilusão da posse para averiguar, passado o prazer, que não tem condições para preservar o veículo adquirido, ou os móveis, ou a residência, enfim, tudo quanto é impermanente e brilha com atração apenas por um dia.
Medidas as possibilidades sem sacrifícios, é factível constatar até onde pode aventurar-se, sem os riscos de sofrer dores e arrependimentos tardios.
Essa visão correta, realista, que se adquire da existência, emoldura-a de harmonia. No entanto, a fantasia injustificada responde pelo choque inevitável com a realidade.
Certamente, a cautela nas decisões não se pode converter em medo de agir, em cultivo de pessimismo para o futuro.
São a ambição irrefreada, a precipitação, a falta de controle, que abrem espaços emocionais para o prazer que gera dor.
Aí estão os vícios sociais e morais estiolando vidas, produzindo a lassidão dos sentidos e, a médio, curto ou longo prazo conduzindo à loucura, ao autocídio.
São alguns deles o inocente cigarro de exibição no grupo social como afirmação da personalidade, eliminação de tabu, respondendo por graves problemas respiratórios, cânceres, enfisemas pulmonares; o prazer etílico gerador de ressacas tormentosas, cirroses hepáticas, úlceras gástricas e duodenais, distúrbios intestinais e outros, além das alucinações que levam à violência, à depressão, à destruição de outras vidas e tudo quanto é caro, precioso, com resultados funestos.
As drogas, que escravizam, iniciando-se as dependências nas primeiras tentativas que parecem proporcionar o prazer, estimulando a alegria, a coragem, a realização, vitórias fugidias sobre os fortes conflitos psicológicos, logo se convertendo em desgraças, às vezes, irremediáveis.
O engano de considerar-se invencível, superior, provando o desconhecimento da fragilidade e da impermanência do conjunto que o constitui, especialmente de seu corpo, faculta, ao ser, prazer mentiroso, que o desperta sob grande sofrimento.
Ninguém escapa às conjunturas que constituem a vida. Programada de forma a educar e fortalecer, seus aprendizes não a podem burlar indefinidamente.
Enfrentar as vicissitudes e superar os valores indicativos de prosperidade, de prazer injustificável, eis como poupar-se ao sofrimento.
É certo que um número significativo de prazeres se apresenta, sem riscos de converter-se em fator afligente.
O sofrimento, portanto, quando se tem dele consciência, é facilmente evitável.
O sofrimento resultante do condicionamento abarca a educação incorreta, a convivência social pouco saudável, que propiciam agregados físicos e mentais contaminados.
A escala de valores, para muitos indivíduos, apresenta-se invertida, tendo por base o imediato, o arriscado, o vulgar e o promíscuo, o poder transitório, a força, como relevantes para a vida.
Os seus agregados, sob altas cargas de contaminação, produzem sofrimentos físicos e mentais duradouros.
As festas ruidosas atraem a atenção, as companhias jovens e irresponsáveis despertam interesse, as conversações chulas produzem galhofa, que são satisfações de um momento, responsáveis por sofrimentos de largo porte.
Ao mesmo tempo, a contaminação psíquica e física, derivada dos condicionamentos doentios dos grupos sociais e dos indivíduos, promove sofrimentos que poderiam ser evitados.
A irradiação mórbida de uma pessoa enviando à outra energia negativa termina por contaminá-la, caso esta não possua fatores defensivos, reagentes, que procedam da sua conduta mental e moral edificante.
O homem vive na Terra sob a ação de medos: da doença, da pobreza, da solidão, do desamor, do insucesso, da morte.
Essa conduta é resultado de seu despreparo para os fenômenos normais da existência, que deve encarar como processo da evolução.
Herdeiro da própria consciência é também legatário dos atavismos sociais, dos hábitos enfermos, entre os quais se destacam esses pavores que resultam das superstições, desinformações e ilusões ancestrais, formando os condicionamentos perturbadores.
Absorvendo e impregnando-se desses fatores negativos, os sofrimentos apresentam-se lhe inevitáveis, produzindo distúrbios psicológicos, mentais e físicos por somatização automática.
A educação calcada nos valores éticos-morais, não castradora, que estimule a consciência do dever e da responsabilidade do indivíduo para com ele próprio, para com o seu próximo e para com a vida, equipa-o de saúde emocional e valor espiritual para o trânsito equilibrado pela existência física.
Esse conhecimento prepara-o para que saiba selecionar o que lhe é útil e saudável, ajudando-o no crescimento interior para a sua realização pessoal.
Enquanto este discernimento não se transformar em força canalizadora para o seu bem, o individuo experimentará o sofrimento resultante do condicionamento, que lhe advém dos agregados físicos e mentais contaminados.
Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas atuais, são muitas vezes a conseqüência da falta cometida, isto é, o homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofres aos outros. (O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec)