Origens do Sofrimento - Joanna de Ângelis

Origens do Sofrimento – 03 Capítulo
Do livro Plenitude de Joanna de Ângelis

Ainda segundo o budismo, as origens do sofrimento se apresentam por meio de condições internas e externas, resultando daí outras duas ordens: as cármicas e as emoções perturbadoras.

Indubitavelmente, conforme acentua a Doutrina Espírita, o homem é a síntese das suas próprias experiências, autor do seu destino, que ele elabora mediantes os impositivos do determinismo e do livre-arbítrio.

Esse determinismo (inevitável apenas em alguns aspectos: nascimento, morte, reencarnação) estabelece as linhas matrizes da existência corporal, propelindo o ser na direção da sua fatalidade última: a perfeição relativa.

Os fatores que programam as condições do renascimento do corpo físico são o resultado dos atos e pensamentos das existências anteriores. Ser feliz quanto antes ou desventurado por largo tempo depende do livre-arbítrio pessoal. A opção por como e quando agir libera o Espírito do sofrimento ou agrilhoa-o nas suas tenazes.

A vida são os acontecimentos de cada instante a se encadearem incessantemente. Uma ação provoca uma correspondente reação, geradora de novas ações, e assim sucessivamente.

Desse modo, o indivíduo é o resultado das suas atividades anteriores. Nem sempre, porém, se lhe apresentam esses efeitos imediatamente, embora isso não o libere dos atos praticados.

É possível que uma experiência fracassada ou danosa, funesta ou prejudicial se manifeste a outras pessoas, como ao seu autor por meio dos resultados, após a próxima ou passadas algumas reencarnações. Esses resultados, no entanto, chegarão de imediato ou em mais tardio tempo. O certo é que virão em busca da reparação indispensável.


Da mesma forma, as construções do bem se refletirão no comportamento posterior do indivíduo, sem que, necessariamente, tenham caráter instantâneo. O fator tempo, na sua relatividade, é de somenos importância.

Portanto, os sofrimentos humanos de natureza cármica podem apresentar-se sob dois aspectos que se complementam: provação e expiação. Ambos objetivam educar e reeducar, predispondo as criaturas ao inevitável crescimento intimo, na busca da plenitude que as aguarda.

A provação é a experiência requerida ou proposta pelos Guias espirituais antes do renascimento corporal do candidato, examinadas as suas fichas de evolução, avaliadas as suas probabilidades de vitória e os recursos ao seu alcance para o cometimento.

Apresenta-se como tendências, aptidões, limites e possibilidades sob controle, dores suportáveis e alegrias sem exagero, que facultem a mais ampla colheita de resultados educativos.

Nada é imposto, podendo ser alterado o calendário das ocorrências, sem qualquer prejuízo para a programação iluminativa do aprendiz.

No mapa dos compromissos, não figuram as injunções mais aflitivas nem as conjunturas traumatizantes irreversíveis.

As opções de como agir multiplicam-se favoravelmente, de forma que, havendo arestas a aplainar, esse trabalho não impõe uma ação imediata pelo sofrimento.

A ação do amor brinda o ser com excelentes ensanchas de alterar para melhor o seu desempenho e as suas atividades, constituindo-lhe suportáveis provas o malogro de alguma aspiração, o desafio ante algumas metas que lhe parecem inalcançáveis, as dores dos processos de desgaste orgânico e mental, sem as quedas profundas nos calabouços das paralisias, das alienações, das doenças irrecuperáveis.

Se tal proceder, ainda poderemos catalogar como escolha pessoal, por acreditar o candidato ser esse o meio mais eficaz para a sua felicidade próxima, liberando-se da canga rude da inferioridade moral.

Poder-se-á identificar essa providencial escolha, na resignação e coragem demonstradas pelo educando e até mesmo na sua alegria diante das ocorrências dolorosas.

As provações se manifestam, dessa forma, de maneira suave, lenificadora no seu conteúdo e abençoada nas sua finalidades.

Sem o caráter punitivo, educam de forma consciente, incitando ao  aproveitamento da ocasião em forma eficiente e mais lucrativa, com o que equipam aqueles que as experimentam, para que se convertam em exemplos, apóstolos do amor, do sofrimento, missionários do bem, mártires dos ideais que esposam, mesmo que no anonimato dos testemunhos, sempre se tornando modelos dignos de ser imitados por outras pessoas.

As provações mudam de curso, suavizando-se ou agravando-se conforme o desempenho do Espírito. A eleição de certas injunções mais difíceis no processo evolutivo representa um ato de sabedoria, tendo-se em vista a rapidez da existência corporal e os benefícios auferidos que são de duração ilimitada.

Considerando-se a vida sob o ponto de vista causal, das suas origens eternas, as ocorrências na esfera física são de breve duração, não se alongando mais do que um curto período que, ultrapassado, deixa as marcas demoradas de como foram vivenciadas.

Valem, portanto, quaisquer empenhos, os sacrifícios, as provas e testes que recompõem os tecidos dilacerados da alma, advindos das anteriores atitudes insensatas.

Toda aprendizagem propõe esforço para ser assimilada e toda ascensão exige o contributo da persistência, da força e do valor moral.

Os compromissos negativos, pois, ressurgem no esquema da reencarnação como provações lenificadoras, que o amor suaviza e o trabalho edificante consola.

As expiações, todavia, são impostas, irrecusáveis, por constituírem a medicação eficaz, a cirurgia corretiva para o mal que se agravou.

Semelhante ao que sucede na área civil, o delinqüente primário tem crédito que lhe suaviza a pena e, mesmo ante os gravames pesados, logra certa liberdade de movimento sem a ter totalmente cerceada.

O reincidente é convidado à multa e prisão domiciliar, conforme o caso, no entanto, aquele que não se corrige é conduzido ao regime carcerário e, diante de leis mais bárbaras, à morte infamante.

Guardadas as proporções, nos primeiros casos, o infrator espiritual é conduzido a provações, enquanto que, na última hipótese, à expiação rigorosa.

Porque o amor de Deus vige em todas as Sua leis, mais justas do que as dos homens, seja qual for o crime, elas objetivam reeducar e conquistar o revel, não o matando, isto é, não o extinguindo. Jamais intentam vingar-se do alucinado, antes buscam recuperá-lo, porque todos são passiveis de reabilitação.

O encarceramento nas paresias, limitações orgânicas e mentais, as paralisias, as patologias congênitas sem possibilidade de reequilíbrio, certos tipos de loucura, de cânceres, de enfermidades degenerativas se transformam em recurso expiatório para o infrator reincidente que, no educandário das provações, mais agravou a própria situação, derrapando para os abismos da rebeldia e da alucinação propositais.

Entre esses, suicidas premeditados, homicidas frios, adúlteros contumazes, exploradores de vidas, vendedores de prazeres viciosos, tais como as drogas alucinógenas, o sexo, o álcool, os jogos de azar, a chantagem e muitos artigos da crueldade humana catalogados nos Estatutos Divinos.

Cada ser vive com a consciência que estrutura. De acordo com os seus códigos, impressos em profundidade na consciência, recolhe as ressonâncias como experiências reparadoras ou propiciatórias de libertação.

Há, em nome do amor, casos de aparentes expiações: seres mutilados, surdos-mudos, cegos e paralisados, hansenianos e aidéticos, entre outros, que escolheram essas situações para lecionarem coragem e conforto moral aos enfraquecidos na luta e desolados na redenção.

Jesus, que nunca agiu incorretamente, é o exemplo máximo. Logo após, Francisco de Assis, que elegeu a pobreza e a dor para ascender mais, não expurgava débitos, antes demonstrava-lhes a grandiosidade dos benefícios.

Helen Keller, Steinmetz e muitos outros heróis de ontem como de hoje são lições vivas do amor em forma de abnegação, convidando à felicidade e ao bem. As expiações podem ser atenuadas, não, porém, sanadas.

Enquanto as provações constituem forma de sofrimento reparador que promove, as expiações apenas restauram o equilíbrio perdido, reconduzindo o delituoso à situação em que se encontrava antes da queda brutal.

Transitam, ainda, na Terra, portadores de expiações que não trazem aparência exterior. São os seres que estertoram em conflitos cruéis, instáveis e insatisfeitos, infelizes e arredios, carregando dramas íntimos que os estiolam, afligindo-os sem cessar.

Podem apresentar aparência agradável e conquistar simpatias, sem que se liberem dos estados interiores mortificantes.

A consciência não perdoa, no que concerne a deixar no olvido o crime perpetrado. O seu perdão se expressa mediante a reabilitação do infrator. As origens do sofrimento estão sempre, portanto, naquele que o padece, no recôndito do seu ser, nos painéis profundos da sua consciência.

Ao lado das origens cármicas do sofrimento, surgem as causas atuais, quando o homem busca mediante a irresponsabilidade, a precipitação, a prevalência do egoísmo que o incita à escolha do melhor para si em detrimento do seu próximo.

Essa atitude se revela em forma de emoções perturbadoras, que o aturdem na área das aspirações e se condensam em formas de aflição.

As emoções perturbadoras galvanizam o homem contemporâneo, mais do que o de ontem, em razão dos conflitos psicossociais, socioeconômicos, tecnológicos e outros.

Os impulsos e lutas que induzem o individuo à perda da individualidade, escravizando-o aos padrões de conveniência vigente, são relevantes como desencadeadores de sofrimento.

Também a perda do senso de humor torna a criatura carrancuda e artificial, gerando emoções perturbadoras.

A ausência da liberdade pelas constrições de toda ordem igualmente proporciona sofrimento. Esses fenômenos psicológicos, no campo do comportamento, propiciam emoções afligentes tais como: o desejo, o ofuscamento, o ódio, a frustração.

Porque não sabe distinguir entre o essencial e o supérfluo, o que convém e aquilo que não é licito conseguir, o homem extrapola nas aspirações e atormenta-se pelo desejo malconduzido, ambicionando além das possibilidades e transferindo-se de uma para outra forma de amargura.

O desejo é um corcel desenfreado que produz danos e termina por ferir-se, na sua correria insana. A primeira demonstração de lucidez e equilíbrio da criatura é a satisfação ante tudo quanto a vida lhe concede.

Não se trata de uma atitude conformista, sem a ambição racional de progredir, mas, sim, de uma aceitação consciente dos valores e recursos que lhe chegam, facultando-lhe harmonia interior e bem-estar na área dos relacionamentos, no grupo social no qual se situa.

Toda vez que o desejo exorbita, gera sofrimento, em razão de tornar-se uma emoção perturbadora forte, que desarticula as delicadas engrenagens do equilíbrio.

Narra-se que a infelizmente célebre Messalina, após uma larga noite de desejos e orgia, foi interrogada por Cláudio, ao amanhecer, igualmente aturdido – “Estás satisfeita?”. Ao que ela teria redargüido: “Não, cansada!”.

Febre voraz, o desejo faz arder as energias, aniquilando-as. Sempre se transfere de uma para outra área, por conduzir o combustível da insatisfação.

Males incontáveis se derivam da sua canalização equivocada, em face das suas nascentes no egoísmo, este câncer do Espírito, responsável por danos contínuos no processo da evolução do ser.

Mesmo na realização edificante, o desejo tem que ser conduzido com equilíbrio, a fim de não impor necessidades que não correspondem a realidade.

O ideal do bem, o esforço por consegui-lo expressam-se de forma saudável quão gratificante, tornando-se estimulo para o desenvolvimento constante dos germes que dormem na criatura, aguardando a eclosão dos fatores que lhes são propiciatórios.

Como o efeito do desejo, o ofuscamento, que decorre da presunção e do orgulho, é causa de sofrimentos, em razão do emaranhado de raízes na personalidade do homem ambicioso e deslumbrado, com Narciso ante a própria imagem refletida no lago.

As ilusões da prosperidade econômica e social, cultural e política induzem o insensato ao ofuscamento, por permitirem-lhe acreditar-se superior ao demais, inacessível ao próximo, colocando barreiras no relacionamento com as outras pessoas que lhe pareçam de menor status, qual se estas lhe ameaçassem a situação de destaque.

Ignoram os fenômenos biológicos inevitáveis da enfermidade, velhice e morte, ou anestesiam a consciência para não pensarem nas ocorrências do insucesso, da mudança de situação, das surpresas do cotidiano.

Todos esse fatores são motivos de sofrimento, quando se pretende manter a posição de relevo, quando se teme perdê-la e quando isso acontece.

O ofuscamento desgoverna inumeráveis existências que se permitem as fantasias do trânsito orgânico, sem a claridade que discerne entre as reais e as falaciosas metas da vida.

Na mesma trilha, ressalta o domínio do ódio nas paisagens dos sofrimentos humanos. As suas irradiações destrutivas comburem as energias de quem o sustenta, enquanto, muitas vezes, atingem aqueles contra quem se dirigem, caso permaneçam distraídos dos deveres relevantes ou em faixas mentais equivalentes.

Loucura do amor não atendido, o ódio revela a presença predominante dos instintos agressivos vigentes, suplantando os sentimentos que devem governar a vida.

Jamais havendo motivo que lhe justifique a existência, o ódio é responsável pelas mais torpes calamidades sociais e humanas de que se tem conhecimento.

Quando se instala com facilidade, expande as suas raízes como tenazes vigorosas, que estrangulam a razão, transformando-se em agressividade e violência, em constante manifestação.

Em determinados temperamentos, é qual uma chispa insignificante em um monte de feno, produzindo um incêndio devorador. Por motivo de somenos importância, explode e danifica em derredor.

O ódio é causador de muitos sofrimentos. Todo o empenho deve ser envidado para desarticulá-lo onde se apresente e instale; sem esse trabalho, ele se irradia e infelicita.

Pestilencial, ele contamina com facilidade, travestindo-se de irritação, ansiedade, revolta e outros danosos mecanismos psicológicos reagentes.

A frustração, por sua vez, responde por sofrimentos que seriam evitáveis, não fossem as exageradas esperanças do homem, as suas confusas idéias de automerecimento, que lhe infundem crenças falsas nas possibilidades que não lhe estão ao alcance.

Porque se supõe credor de títulos que não possui, a criatura se frustra, entregando-se a reações inesperadas de depressão ou cólera, fugindo da vida ou atirando-se, rebelde, contra ela e os seus valores.

Quando o homem adquire a medida do pouco ou quase nenhum merecimento pessoal, equipa-se de harmonia e fé, de coragem e paz para enfrentar as vicissitudes e superá-las, nunca se permitindo malograr nos empreendimentos.

Se esses não oferecem os resultados desejados, como é natural, insiste, persevera, até a constatação de que outro deve ser o campo de atividade a desenvolver ou até receber a resposta favorável do trabalho envidado.

O amor é o antídoto para todas as causas do sofrimento, por proceder do Divino Psiquismo, que gera e sustenta a vida em todas as suas expressões.
Luarizado pelo amor, o homem discerne, aspira, age e entrega em confiança, irradiando energia vitalizadora, graças à qual se renova sempre e altera para melhor a paisagem por onde se movimenta.

O amor é sempre o conselheiro sábio em qualquer circunstância, orientando com eficiência e produzindo resultados salutares, que propelem ao progresso e à felicidade.

Na raiz de qualquer tipo de sofrimento sempre será encontrado como seu autor o próprio Espírito, que se conduziu erroneamente, trocando o mecanismo do amor pela dor, no processo da sua evolução.

A fim de apressar a recuperação, eis que se inverte a ordem dos acontecimentos, sendo a dor o meio de levá-lo de volta ao amor, por cuja trilha se faz pleno.

“O homem tem de lutar com o problema do sofrimento.
O oriental quer livrar-se do sofrimento, expulsando-o;
o ocidental procura suprimi-lo com remédios.
Mas o sofrimento precisa ser superado,
e o único meio de superá-lo é suportando-o.
Aprendemos isso com Ele (o Cristo Crucificado).
Carl Gustav Jung.”