09 - Visão Espírita da Bíblia
José Herculano Pires
18 - Deus morre quando os Homens se apegam à Letra que Mata
Revistas inglesas, norte-americanas, alemãs e francesas vêm há meses anunciando a morte de Deus. Uma revista brasileira aproveitou o assunto e os dados das revistas estrangeiras. Não há nenhuma novidade no assunto, que outras publicações do mundo inteiro vão repetindo.
Nem se trata de campanha contra a idéia de Deus, como pretendem alguns religiosos de vistas curtas. Simples questão de interesse jornalístico. Mas a verdade é que tudo começou com os teólogos, os doutores da ciência de Deus, que já não sabem mais o que fazer com essa ciência.
A existência de ateus e a propagação do ateísmo não são novidades. Os ateus já dominam politicamente mais da metade do mundo. Ideologicamente representam a maioria das pessoas cultas. Para todos eles, Deus já morreu há muito tempo.
As igrejas são importantes para devolver-lhes a fé. Esse o motivo do desespero dos teólogos, que chegam à conclusão de que Deus está morrendo e é necessário salvá-lo. Mas é preciso não confundir Deus com a concepção antropomórfica de Deus.
O que está morrendo e ninguém jamais conseguirá reabilitá-la, é essa concepção, oferecida ingenuamente pêlos pregadores bíblicos a um mundo que não vive mais a fase agrária da civilização judaica antiga. Os fanáticos da Bíblia não podem evitar a morte de Deus.
Quanto mais falarem e escreverem sobre Deus, mais o afastarão do espírito arejado dos homens modernos. Porque a idéia de um Deus semelhante ao homem só podia servir para criaturas ingênuas, numa fase primária da evolução humana.
Enquanto os teólogos, os pregadores, os religiosos em geral, não se convencerem de que as Escrituras Sagradas não são tabus e devem ser estudadas no seu espírito, sem apego à letra, nada poderão fazer contra o ateísmo. A concepção bíblica de Deus é alegórica, como já afirmamos numerosas vezes.
O Livro dos Espíritos ensina isso desde as suas primeiras páginas. A própria Bíblia proíbe que façamos imagens de Deus, pois essas imagens são perecíveis. Quando elas morrem, Deus
pode morrer na alma desolada dos crentes. Se quisermos evitar a morte de Deus na consciência humana, evitemos o literalismo bíblico e a idolatria.
Uma imagem mental de Deus é também um ídolo perecível, e quem a cultua não é menos idólatra que os adoradores de imagens materiais. A concepção espírita de Deus está acima dessas controvérsias teológicas. O Deus espírita não é um ídolo, mas aquela realidade que, como dizia Descartes, está na consciência do homem como a marca do artista na sua obra.
19 – Jesus proclamou em Nazaré o ano agradável ao Senhor
Jesus declarou, na sua prédica primeira na Sinagoga de Nazaré, ao ler Isaías e interpretá-lo: "O espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos e proclamar o ano aceitável do Senhor".
É o que consta dos versículos 18 a 19 do Capítulo IV do Evangelho de Lucas, tradução de Almeida, revista e atualizada no Brasil. Outras traduções mencionam, em lugar de "ano aceitável" o "ano agradável ao Senhor".
Esse ano era uma tradição judaica a que o Levítico se refere de maneira minuciosa (XXV: l-34). Havia o ano Sétimo, o Sábado do Senhor, por analogia com a semana que era o ano do descanso da terra cultivada. E havia o Ano do Jubileu, ou Qüinquagésimo, que era o da Justiça, caracterizado na proclamação de Jesus.
De cinqüenta em cinqüenta anos se procedia a uma verdadeira reforma da estrutura agrária do Estado para o reequilíbrio das condições sociais, com libertação dos escravos. Jesus serviu-se dessa tradição para anunciar a sua missão como a proclamação do Ano Agradável ao Senhor, ou seja, de uma nova fase da vida na Terra.
Um famoso pastor, o reverendo Stanley Jones, chamado o Cavaleiro do Reino de Deus, estudou essa tradição em suas ligações com o Cristianismo dos primeiros tempos, demonstrando que os cristãos primitivos queriam realmente estabelecer na Terra o Ano Agradável ao Senhor.
A idéia do Novo Ano como oportunidade de renovação, de volta do homem para Deus e de sujeição das leis humanas às leis de Deus vem das próprias Escrituras.
Em “O Livro dos Espíritos”, de Kardec, obra básica do Espiritismo, essa idéia se traduz num esforço profundo de renovação pessoal e social, afirmando os Espíritos que a função da doutrina é renovar o mundo para aproximá-lo das leis de Deus cujo centro de gravitação é a "Lei de Justiça, Amor e Caridade", estudada num capítulo especial.
Aproveitemos a oportunidade do Novo Ano para ler esse capítulo do Livro III de “O Livro dos Espíritos” e meditar sobre as palavras de Jesus na proclamação de Nazaré. O Cristianismo é o foco central de um processo histórico que vem do Judaísmo e se desenvolve no Espiritismo, segundo a promessa de Jesus no Evangelho de João.
A finalidade do Espiritismo é estabelecer na Terra o Ano Agradável ao Senhor, com a substituição do egoísmo e da ambição do homem velho pelo amor e a fraternidade do homem novo. Que o Novo Ano nos ajude nessa renovação cristã.
20 - A Gênese explicada a luz dos princípios Espíritas
O Espiritismo rejeita a concepção bíblica da gênese ou procura explicá-la? Como temos dito, repetindo afirmações de Kardec e Denis, o Espiritismo é a grande síntese do conhecimento. Originada pelo desenvolvimento histórico do Cristianismo, essa síntese obedece à orientação do Cristo: não vem destruir ou negar, mas confirmar e explicar.
No caso da criação do mundo e do homem, segundo a Bíblia, ele confirma a realidade na alegoria e dá a explicação desta. Impossível tomar-se hoje a Bíblia ao pé da letra. É necessário penetrar o sentido dos seus símbolos, dos seus mitos, das suas alegorias.
No capítulo quatro de “A Gênese”, Kardec estuda o problema à luz das conquistas científicas do seu tempo. Mostra que o poema bíblico da Criação é uma explicação figurada, à semelhança da gênese de todas as religiões antigas, e conclui:
"De todas as antigas gêneses, a que mais se aproxima dos dados científicos modernos, apesar dos seus erros, hoje evidentemente demonstrados, é incontestavelmente a de Moisés".
Alguns dos seus erros, acrescenta, são mais aparentes do que reais, decorrendo de falsas interpretações de palavras nas traduções, de modificações semânticas ao longo dos milênios e de se tomar ao pé da letra as suas expressões e formas alegóricas. O Livro dos Espíritos, no capítulo primeiro de sua terceira parte, traz um estudo intitulado "Considerações e concordâncias bíblicas referentes à Criação", que esclarece bem este assunto.
No capítulo décimo segundo de “A Gênese”, reproduzindo o texto bíblico, Kardec o estuda em relação aos dados científicos, oferecendo um quadro comparativo da alegoria dos seis dias da criação com os espíritos da formação geológica determinados pela Ciência.
Acentua, porém, que a concordância não é rigorosa e não pode ser tomada como tal, mas basta para provar a intuição da realidade na alegoria bíblica. Kardec conclui o capítulo afirmando: "Não rejeitemos, pois, a gênese bíblica, mas estudemo-la, como estudamos a história da origem dos povos".
Hoje, os próprios teólogos católicos e protestantes estão endossando as explicações espíritas. Há uma revolução teológica em marcha, que vem apenas confirmar a legitimidade da interpretação espírita das Escrituras. Só os crentes fanáticos da Bíblia, os literalistas amarrados ao texto, ainda investem contra o Espiritismo de Bíblia em punho.