11 - Visão Espírita da Bíblia

11 - Visão Espírita da Bíblia
José Herculano Pires

24 – Mostra a Bíblia que Adão não foi o primeiro homem

Expulso do Éden, o casal primitivo teve dois filhos: Caim e Abel, segundo nos relata o Capítulo IV do Gênesis, versículos 1 a 16. Estava assim iniciada, segundo as religiões dogmáticas, a raça humana na Terra.

Mas a própria bíblia desmente essa suposição, ao declarar, logo no versículo 2, que "Abel foi pastor e Caim lavrador". Nos versículos 14 e 15 vemos Caim temer que "outros" o matem e o Senhor "pôs um sinal em Caim, para que não o ferisse de morte quem quer que o encontrasse".

E o versículo 16 nos oferece esta preciosa informação: retirando-se da presença do Senhor o renegado Caim "habitou na terra de Node, ao oriente do Éden".


Não precisamos sair dos limites desse capítulo 4 do Gênesis para ver que Adão e Eva não iniciaram a raça humana, mas apenas a sua própria descendência, num mundo já povoado há muito tempo.

Os versículos seguintes confirmam isso plenamente. Que faz o Espiritismo em face deste problema? Rejeita e condena a Bíblia como falsa? Não. Pelo contrário, procura interpretá-la em espírito e verdade, em vez de apegar-se às contradições e aos absurdos da "letra que mata".

No capítulo XI de “A Gênese”, Kardec explica que a chamada “raça adâmica” foi uma das últimas a surgirem na Terra. O Gênesis mostra que, desde o seu início, estava apta para as artes e as ciências, sem haver passado pela infância intelectual, o que não é próprio das raças primitivas, mas concorda com a opinião de que ela se compunha de “Espíritos já avançados”.

Caim era lavrador, Abel era pastor, e logo mais veremos Caim casar-se (com quem?) ter filhos e construir uma cidade. Tratemos agora do fratricídio de Caim, cujo símbolo é também dos mais significativos. Vemos na Bíblia que Caim matou Abel por ciúmes de Deus.

Ambos haviam oferecido ao Senhor as primícias de seus trabalhos; Caim, os frutos da terra, Abel, os gordos rebentos do seu rebanho. O que mostra que já viviam na era das civilizações agrárias. Mas o Senhor não gostou da oferta vegetal, preferindo a de carne. Como todos os deuses antigos, o Deus Único da Bíblia também gostava mais de carnes que de frutas.

A alegoria é evidente: “Caim representa o egoísmo humano de uma raça em desenvolvimento, Abel é a vítima inocente desse egoísmo feroz; Deus pune Caim, mas não o aniquila, por que ele precisa continuar progredindo; e o Deus em causa não é o verdadeiro Deus, mas um guia espiritual, que representa o Senhor perante a ingenuidade desse povo nascente”.

É inacreditável que ainda hoje nos queira impingir essas alegorias em seu sentido liberal!

25 – Caim fundou uma Cidade ser ter quem habitá-la!

Com quem se casou Caim, ao retirar-se para a terra do Node? Se Adão e Eva eram as primeiras criaturas humanas. Caim era a terceira. Não haveria mais gente em toda a Terra. Mas a Bíblia nos conta o seguinte:

"E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho" (Gênesis, IV: 17).

Não há explicação teológica que possa resolver as contradições do texto. É evidente que Caim não era a terceira criatura da Terra, mas apenas o primeiro descendente de uma nova raça, que surgia num mundo já povoado e evoluído.

A mulher de Caim era de outra raça, do povo que habitava a terra de Node. Os costumes da época ressaltam de todo o texto. Ao construir uma cidade, Caim lhe deu o nome do filho, homenagem comum nos tempos antigos e ainda hoje comum entre os pioneiros de zonas novas.

E com que povo ia Caim povoar a sua cidade? Pensaria em fazê-lo apenas com a sua geração? Claro que isso seria absurdo. Era o povo de Node que teria de habitar a cidade de Caim.

O fato mesmo de Caim ser pastor e Abel lavrador já nos mostra que Adão e Eva viviam numa civilização constituída. Se já havia profissões, divisão do trabalho, especialização da produção e até mesmo fundação de cidades, é evidente que o mundo não estava começando, mas já havia começado há muito tempo.

Não se pode ajeitar as coisas, diante destes dados do texto. O que se pode e deve fazer é interpretar o texto, desvendar-lhe o sentido, decifrar-lhe o símbolo como o fez Kardec. A raça adâmica era uma nova raça que surgia na Terra, proveniente de migrações espirituais. Sua missão era auxiliar o desenvolvimento do planeta, ajudar os seus habitantes primitivos a se elevarem espiritualmente.

Não surgia milagrosamente, mas de forma natural, por descendência biológica de outras raças mais aperfeiçoadas. Entretanto, como era necessário preservar a condição evolutiva dessa raça, a fim de que ela não se perdesse na animalidade terrena, a Bíblia usou o mito da criação direta de Adão e Eva por Deus.

A descendência de Caim e a genealogia do povo hebreu, que vêm nos versículos seguintes da Bíblia, desse mesmo capítulo IV: 17-26, e do capítulo V: 1 -32, provam precisamente o que acabamos de acentuar. Os casamentos ali referidos não podem ser explicados sem a existência de outros povos, na Terra, como não se pode admitir que a corrupção do gênero humano tenha ocorrido na descendência de Adão.

Insistir na aceitação literal dessas coisas, a pretexto de que a Bíblia é "a palavra de Deus", só serve para desmoralizar a Bíblia e a própria religião. Já é tempo das criaturas pensantes examinarem problemas tão sérios com maior seriedade.

26 – Os Filhos de Deus casaram as Filhas dos Homens

Como se multiplicou a raça adâmica na Terra? O capítulo VI do Gênesis nos conta isso. E os versículos de 1 a 7 confirmam plenamente que Adão não era o primeiro homem nem Eva a primeira mulher. Vemos no versículo 2 a distinção entre os adâmicos, chamados filhos de Deus, e as suas esposas, chamadas filhas dos homens.

Explica, pois, a própria Bíblia, o casamento de Caim. O versículo 4 é explícito: "Ora, naquele tempo haviam gigantes na Terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes varões de renome na Antiguidade".

Vemos assim que a Terra estava povoada de gigantes, ou seja, dos descendentes dos homens primitivos com que Deus a povoara, muito antes da vinda da raça adâmica. Por que a Bíblia os chama de gigantes? As pesquisas científicas demonstram que os homens primitivos eram gigantes. Muitas raças conservavam ainda proporções gigantescas.

Ligando-se a isso a influência da tradição mitológica e os excessos de imaginação, tudo se explica racionalmente. Um exemplo histórico nos auxilia a compreender esses supostos mistérios: os portugueses (filhos brancos do Deus Europeu) casaram-se com as índias (filhas dos homens primitivos no Brasil) e deles nasceram os homens que continuariam a raça de gigantes do Planalto de Piratininga (os Bandeirantes).

Os descendentes de Adão e Eva não constituíram, pois, o gênero humano, mas apenas contribuíram para o seu desenvolvimento na Terra. Como ensina Kardec, em A Gênese, Capítulo XI item 40, a raça adâmica veio impulsionar o progresso.

E todo progresso acarreta a superação de costumes e tradições, a substituição de valores antigos por novos, mudanças profundas nas formas de relações humanas, com fases intermediárias de aparente anarquia, que são sempre consideradas como de corrupção de costumes.

Daí o dogma bíblico da "corrupção do gênero humano", provocando a ira de Deus e o castigo de Deus, por motivo de dissolução de costumes, as catástrofes geológicas, as trombas d'água e as inundações que dizimam em geral criaturas inocentes, em zonas sempre acusadas de dissolutas.